Passo de Gigante
Faz de conta...
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Toponímia Indígena - NEHENGAJARA
Eis pequeno livro digitalizado do meu avô, relatando os estudos do meu bisavô para a construção de um "Etymologicon de Toponímia Indígena". O trabalho do meu bisavô pode ser se classificar hoje, numa linguagem gramsciniana, como intelectual orgânico da Igreja Católica. São escritos reunidos pelo meu avô de dois cadernos: Toponímia Indígena do Brasil - Notas; e Nehengajara.
ESPERANÇA
AD LULA
Para organizar
Sujeitos e predicados,
Que se agridem ou gozam,
Prendê-los-emos em
sentenças,
Cadeias feitas de prismas
Para medir a Esperança:
Em agir,
Em sentir e
Pensar.
*
Ver no mundo
A perfeição do Criador
Foi infância-adolescência
De católico sonhador,
Onde a hierarquia e a
obediência
Num absolutismo afetivo
Desenharam o tomismo.
Numa falha no sistema
Como uma Matrix,
Um marginal utópico,
Um mendigo,
Pária, estranho,
Explorado, perseguido,
Desempregado,
não-empregável,
Excluído. Exclama:
“- Não sou isso,
Sou revolucionário.
Minha consciência pode não
ser,
Mas enquanto viver
Violarei as regras do jogo
Para mostrar o roubo,
Das cartas marcadas
Às vidas sacrificadas.
Maldita miséria!
Vivo da opulência do lixo!
Façam pilhérias!
Tratem-me como bicho!
Sou uma mostra do
capitalismo,
Alerta contra o consumismo.
Por baixo da base
conservadora
Integro a luta armada,
Assalto a burguesia.
Tô além da esquerda,
Fora da democracia.
Na essência da miséria,
Na crua realidade
Descobri a minha inexistência.
Chamam-me de imprestável,
Mas sou inominável.
Sou frio
Temido
E humilhado.
Pensam que quero pouco,
Quero é ser respeitado.
Não faço escândalo.
Não me curvo para doutor,
Não quero esmola,
Mas liberdade.
Vivo a verdade
Como um predador,
Em plena esperteza:
Só o silêncio é grande,
O resto é fraqueza.”
“Prolem sine matre creatam”[1]
Da mais-valia
Mais vale
Ver a vida
Que se esconde
Atrás do trabalho.
Numa contradição
Opondo a exploração
Ao reino da liberdade.
Síntese tal
Que numa louca aritimética,
Perpassada pelo Tao,
Ou mesmo a dialética
Desse mundo que vivemos.
*
Eliminemos as noções,
Capazes de compreender
A lógica das nações,
Dizem os Deuses,
Imensos e majestosos.
O Império fala das alturas
Pelas palavras sacras,
Tão altas no estrondo,
Tão elevadas para a
compreensão,
Tão inteligentes no destino,
Trazendo com o seu toque
O que sua presença nos
obriga
No caminho com a morte.
Em frente
Ou pelos lados,
Nos vemos a sós,
Com vós,
Que sois
Da democracia guardiões,
E da vida:
Solidões.
*
Do mito já dito,
Em grego esquecido,
Apareceu outrora
A caixa de Pandora.
Trazendo pragas e maldição,
O desastre e a doença.
Foi fechada com pressa,
Deixando em sua escuridão
A morte em forma de
sentimento,
Falo da Esperança.
De caixa na realidade
Se transformou em Vaso,
De horror em beldade,
Eis o Vaso da Felicidade.
Toda vez que o mortal
Ver(a)cidade dos deuses,
Ficará revoltado.
E para acalmá-lo,
Bloquear seus desejos
Abriremos a caixa,
Agora vaso,
Que tem guardado
A Esperança que trará,
Num amanhã bem afastado
A mudança.
*
Cara Esperança
Caro data vermibus[2],
Perinde ac cadaver[3],
Supérflua bonança,
Flui na superfície a alegria
De ser ideologia
Cadavergehorsan[4]
Enquanto na academia
“Nous prenait une toile,
Nous récitions de vers
Groupés autour du poêle
Em oubliant l´hiver.”[5]
*
Ou,
Do novo,
Se não se espera,
Não se encontra
O inesperado[6].
Rodolfo Lobato, 2004
[1] Ovídio –
“Filho Nascido Sem Mãe” – Credo Quia Absurdum
[2] Carne
dada aos vermes, CAro DAta VERmibus = CADAVER
[3]
Obediente como um cadáver.
[4] “a
palavra alemã utilizada na obediência incondicional e submissão absoluta a
Adolf Hitler e seus representantes, em toda a cadeia de comando. FILHO, Gisálio
C. A “Questão Social” no Brasil.
[5] La
Bohème, Charles Aznavour. “Nós pegávamos um pano/Recitávamos versos/ Agrupados
em volta da panela/ Esquecendo o inverno”.
[6] “Se não
se espera, não se encontra o inespertado, estando-se sem meios para uma procura
cuidadosa por um saber exato e sem passagem”. Fragmento 18 de Heráclito segundo
Herman Diels, traduzido por Daniel Rubião.
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Cartas da biblioteca de um poeta, por
Rodolfo Bezerra de Menezes Lobato da Costa (rodolfolobato@hotmail.com),
Niterói, 24 de outubro de 2012.
APRESENTAÇÃO
Quando
guardamos os nossos livros há várias formas possíveis de organização, algumas idiossincráticas,
outras necessárias ou funcionais. E entre as páginas de um livro encontramos às
vezes enigmas, sejam nas formas de marcações, lembretes, recados, telefones, declarações,
nomes de desconhecidos ou conhecidos. Esse texto quer apenas apresentar três
cartas que encontrei em três livros, que hoje compõem uma biblioteca em
formação.
Enquanto
o ato de catalogar permite que encontremos com mais facilidade o livro
desejado, o ato de procurar permite que o objeto desejado possa ser conjugado
com escritos/desejos esquecidos, sonhos, passados e presentes do destino. O
objetivo desse texto é única e exclusivamente de socializar três cartas, presentes
de herança:
Carta
1: intitulada “Isto você não poderá ler nos jornais”, assinada pelo Comitê de
Defesa dos Presos Políticos no Brasil (USP, 06/04/1974), uma herança coletiva;
Carta
2: “Détaille du Combat de l'Escadre", escrita no dia 31 de outubro de 1782;
Carta 3: uma
carta do meu avô paterno para meu avô materno, em 1954.
Esse
texto surge como subproduto de um trabalho da disciplina de Metodologia
Científica do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, da
Universidade Federal Fluminense. Ao refletir sobre a as "referências
bibliográficas" do projeto de mestrado coloquei-me a questão do quanto a
Biblioteca construída ao longo da vida permanece enquanto um mundo inconsciente
de referências, histórias e mitos que, querendo ou não, deixam marcas e cicatrizes
em nossos cosmos.
INTRODUÇÃO
Antes,
gostaria de fazer algumas ressalvas. Há um purismo, com certa razão, que deseja
conservar as páginas “limpas”, para que outros possam desfrutar no futuro dos
respectivos livros. Mas, na verdade, quando o livro passa pela mão de alguém,
transforma-se o livro e o leitor. Seja pelo conteúdo escrito pelo autor ou pelo
conteúdo produzido pelo leitor.
O
livro é, também, um lugar, a força/gravidade exercida pela sua existência
precisa ser trabalhada, principalmente, quando eles deixam de ser individuais e
passam a ser coletivos, a biblioteca. Para um observador externo, não
apaixonado pelas letras, a biblioteca não passaria de um lugar funcional. Sua
missão seria guardar, colocar à disposição e, também, uma espécie de memória
longínqua. E, assim, guarda outros tipos de informações que não querem ser
encontradas.
De
quatro avós recebi de herança bilhetes para algumas viagens, viagens essas para
o passado. Pela minha mãe, tenho um meu avô de raízes portuguesa e indígena
(Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes) que casou com minha avó, filha de
portugueses (Odette Machado Pereira). Pelo meu pai, tenho meu avô com raízes
portuguesa e africana (Aulomar Lobato da Costa) e minha avó de origem francesa
(Maria de Lourdes Duboc Pinaud).
Quando
brincávamos, eu e meus primos, ainda pequenos, meu avô Geraldo sempre
aconselhava-nos a quebrar todo alçapão de pássaros que encontrávamos nas
trilhas da Serra da Tiririca. A sensação de prender o pensamento em
determinadas prateleiras, fechadas num universo único e conjuntural do
bibliotecário (seja a bilblioteca pessoal ou coletiva) é uma ilusão e uma
crueldade. As prateleiras podem se comportar como prisões para determinados livros,
que precisam ser alcançados pelos olhos não só de quem os procura, mas, também,
de quem não os procura.
Toda
biblioteca possui sessões, cessões e seções. Arrisco falar que do latim
(Sessio, onis - ação de sentar-se, assento, cadeira, pouso, audiência, reunião[1])
surgiram formas posteriores que, para além de "sessão" original,
desenvolveu-se o ato de dar posse de algo ao outrem (cessão) ou mesmo a
organização formalizada em repartir, seccionar (seção).
Nesse
sentido percebemos a biblioteca não como uma entidade imóvel, uma grande construção
ou uma grande pedra. A crítica à imobilidade ou a sua perenidade encontra numa
ficção de Jorge Luis Borges (“O Jardim de caminhos que se bifurcam”) uma
história que pode ser útil para conjugar a biblioteca como lugar para a
biblioteca como tempo. Trata-se de Ts’ui Pen:
“douto
em astronomia, em astrologia e na interpretação infatigável dos livros canônicos,
enxadrista, famoso poeta e calígrafo: abandonou tudo para compor um livro e um
labirinto. Renunciou aos prazeres da opressão, da justiça, do numeroso leito,
dos banquetes e ainda da erudição e enclausurou-se durante treze anos no
Pavilhão da Límpida Solidão. Ao morrer, os herdeiros encontraram manuscritos
caóticos. A família, como talvez o senhor não ignore, quis adjucá-los ao fogo;
mas seu testamenteiro – um monge taoista ou budista – insistiu na publicação.”
(p.102 e 103)
Podemos
traçar um paralelo entro o labirinto e a biblioteca, que são, com suas respectivas
naturezas distintas, enigmas; e como Ts’ui Pen acreditava que o tempo não é
uniforme ou absoluto, temos o “tempo” como charada ou parábola a ser transcrita
num livro que não seja finito. Assim, o “tempo se bifurca perpetuamente para
inumeráveis futuros” (p108).
CARTA 1 - Vasculhando
um sebo no centro de Niterói encontro, por acaso, um papel dobrado em quatro
partes. Com as folhas já marcadas com o amarelo do tempo, mal digitada, como
alguém que digita rapidamente um texto. Um digitar que reforça a ideia de medo
e violência dos anos que se seguiram à ditadura militar de 1964.
O
texto, expressão da luta pela liberdade dos presos políticos no Brasil, tem sua
origem na Cidade Universitária da USP, mais precisamente do Comitê de Defesa
dos Presos Políticos. Comitê, que tinha os seguintes objetivos:
Divulgar
toda prisão ou quaisquer arbitrariedades que venham a ocorrer nos diferentes
setores da população, comprometendo-se com a integridade física da pessoa
detida; Divulgar o número e as condições atuais dos presos políticos no país; 3
- Promover assistência jurídica às pessoas presas; Promover o amparo material
(financeiro) aos familiares dos detidos.
Um
movimento assinado por estudantes, familiares dos presos políticos,
representantes da Igreja, MDB e advogados. A carta tem a seguinte introdução:
"Na
última semana, só em São Paulo, foram presas 33 (trinta e três) pessoas ligadas
ao meio universitário. O fato passaria despercebido não fosse a quantidade de
pessoas presas de uma só vez. [...] a imprensa nada informa. O imenso controle
policial imposto ao país nesse momento impede qualquer manifestação possível do
povo brasileiro, que não perdeu o hábito de duvidar, de exprimir suas idéias
livremente, de discordar abertamente de um regime que o vem prejudicando há
mais de dez anos. [...] Os intelectuais não podem apresentar suas obras ao
público. Os trabalhadores não podem reivindicar maiores salários: atualmente
ocorrem prisões em massa nos meios sindicais."
Com
o aviso "LEIA - DIVULGUE - REPRODUZA E DENUNCIE", a carta pedia a
urgente ação diante dos seguintes desaparecidos políticos:
CARTA 2 - A segunda carta aqui descrita
apresenta um desafio enorme para a compreensão, não só por ser escrita em
francês, mas por ser escrita em um francês do século XVIII. Não se trata apenas
de um exercício de tradução, mas, também de compreender outra forma de
caligrafia.
O
texto intitula-se "Détaille du Combat de l'Escadre", escrito no dia
31 de outubro de 1782. A tentativa de reprodução da caligrafia do autor foi a
forma que utilizei para descobrir quais eram as letras para, depois, tentar
traduzir alguns trechos.
Mas,
ao abrir o documento, com cerca de 10 páginas, fui obrigado a interromper o
trabalho, pois as páginas estavam comprometidas pelo tempo. E apenas um
trabalho profissional permitirá descobrir quem foi o autor e para quem foi
destinada essa carta.
A
parte ainda legível do texto permite compreender os acontecimentos referentes a
uma batalha entre uma esquadra de navios franceses contra uma esquadra de
navios ingleses em uma falsa baía. Detalhes em forma de desenho mostram as
posições das duas esquadras antes do combate.
Esse
documento será encaminhado para a Biblioteca Nacional para fins de preservação,
mesmo que a ligação entre a descoberta dele entre um dos livros que ganhei de
herança ainda continue desconhecida, permanecendo enigmáticas as razões pelas
quais essas páginas chegaram até às minhas mãos.
Carta 3 - Por último, uma carta escrita pelo
meu avô paterno para o meu avô materno em 1954 mostram laços de amizade,
respeito intelectual, militância na Igreja católica e vínculos profissionais
entre dois juristas, um morando na cidade do Rio de Janeiro e outro em Niterói.
Destaco que nesse dia (10 de fevereiro de 1954) meu pai (Fernando Pinaud Lobato
da Costa) tinha menos de um ano de idade, e minha mãe (Idalina Pereira Bezerra
de Menezes) ainda não havia nascido, o que só aconteceria em 1957.
A
carta é uma resposta ao presente enviado pelo meu avô materno, um livro de sua
autoria intitulado “Doutrina Social e Direito do Trabalho”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse
texto não tem caráter acadêmico, trata-se apenas de uma forma de homenagear
dois dos meus avós que faleceram em 2012, Odette e Aulomar.
Nos
dois lados da minha família há o hábito de cuidar da sua respectiva biblioteca
como fonte de conhecimento e preservação da memória. Dessa forma faço um
paralelo entre a minha história familiar e da nossa civilização, que encontrou
na Biblioteca de Alexandria um lugar especial para reflexão.
De
uma mulher, Odette Pereira Bezerra de Menezes, que dedicou a vida para criar 15
filhos vem à minha mente a história de outra mulher, que optou em casar com a
verdade, trata-se de Hipácia. Uma matemática, astrônoma e física que liderava a
escola de filosofia neoplatônica de Alexandria. Ela nasceu nesta cidade, no ano
de 370. Naquela época, as mulheres não tinham muitas alternativas, eram
consideradas propriedades. Apesar disso, Hipácia movia-se livre e
desembaraçadamente em domínios tradicionalmente masculinos. Segundo os relatos,
era dotada de grande beleza e, embora não lhe faltassem pretendentes, não tinha
interesse nenhum em se casar.
Correndo
grande risco, Hipácia continuou a ensinar e publicar até que, no ano de 415, a
caminho do trabalho, foi abordada por seguidores fanáticos de Cirilo (bispo de
Alexandria), que a arrancaram de sua carruagem, rasgaram-lhe as roupas e a
esfolaram até os ossos usando conchas afiadas. Cirilo foi canonizado. E a
Biblioteca de Alexandria, um ano depois da morte de Hipácia, foi destruída. Sabemos
que, nesta biblioteca, existiam 123 peças de Sófocles, das quais somente 7 sobreviveram,
uma das quais: Édipo Rei.
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
Requiescat in pace
“A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal às das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem.”
ERIC HOBSBAWM (1917-2012)
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