O DIVÓRCIO FÁCIL
Parecer do deputado Dr. Germano Hasslocher sobre o projeto do Dr.
Alcindo Guanabara e outros instituindo o divorcio a VINCULO. Typ. Da Revista
dos Tribunais, Carmo, 55 – Rio. U.C.B. nº 5, outubro de 1912. Publicada no
Jornal do Commercio, 13-8-908, e no Diario Official, de 19 de Julho de 1912.
“O projecto dos Srs. Deputados Alcindo
Guanabara e outros tem por fim dissolver o vinculo conjugal, podendo os
ex-conjuges convolarem a novas núpcias, dous annos depois de passada em julgado
a sentença que houver proferido o divorcio, na conformidade das leis em vigor,
desde que um delles, cônjuges, o requeira.” P 3
“Basta assignalar que a nossa
legislação não comporta a dissolvição do vinculo, permitindo somente a
separação de corpos e que o projecto admitte essa dissolução, dependente do
decurso de um prazo certo, para se comprehender a distancia que vae do que
existe para o que o projecto propõe. Quer dizer que todos os ex-conjuges,
separados, na forma da lei que rege o casamento entre nós, poderão concolar a
novas núpcias, depois de dous annos da sentença que decretou essa separação.” P
3
“Por que não um anno? Por que não
dez meses, para a mulher? Por que não a liberdade immediata, para o homem, de
regular uma situação decorrente da sentença que decretou a separação de
corpos?” p 3
“Nenhuma lei é legítima si não
for a expressão da consciencia publica. E esta, no caso que tanto lhe
affecta,
digamol-o desde logo, é em absoluto contraria á tentativa contida no projecto.”
P 4
“E como tal elle [o casamento
civil] não é outra cousa mais do que a affirmação e o respeito da liberdade de
consciência”
NOTA DAS PÁGINAS 5: “A
Constituição no art. 72 § 4 determina: ‘A Republica só reconhece o casamento
civil’.
Estas palavras encerram, além de
offensa gravíssima a fé do povo brasileiro, uma impertinência e uma medida
anti-liberal, oppressora e prejudicial à moral pública.
Com effeito que significa aquelle
texto sinão que, aos olhos dos legisladores de 1891, as affirmações da Egreja e
da fé catholica sobre a essência do matrimonio christão não são verdadeiras, e
não passam de crendices sem importância?
Não se pode dizer que os
legisladores não tinham intenção de offender a fé dos catholicos. Não! As
palavras brutaes que inscreveram na Constituição: ‘A Republica só reconhece o
casamento civil’, provam evidentemente que elles sabiam haver outro casamento,
o religioso, e deviam saber, (pois eram catholicos ou ao menos diziam-se
catholicos todos elles), deviam saber que para um catholico só há e só pode
haver um verdadeiro casamento: o religioso.
Pisaram porém aos pés as crenças
do povo que os elegera e as suas próprias, e em termos seccos e tyranicos
responderam: ‘Vossa fé vos diz que o contracto matrimonial é essencialmente
sacramento: pois bem! Nós chamaremos de casamento ao simples acto civil, para
nós o casamento religioso de nada vale e nem sequer existe. E si casardes de
accordo com a vossa fé, mas não como nós entendemos e queremos, vossos filhos
serão tidos como illegitimos, não herdarão vossos bens!’
Pretenderam então, e muitas vezes
ainda depois, que o casamento civil era uma consequência necessária da
separação da Igreja e do Estado. Não há tal. Primeiro, não podiam os
legisladores de 1891 sanccionar com o seu voto o Decreto do Governo Provisório
quanto a esta separação, contrária à vontade e à índole do povo. Mas ainda
admitindo-se a hyphotese da separação, não tinham elles o direito de insultar a
fé do povo, rebaixando o santo sacramento do matrimonio até passar, aos olhos
da lei, por mero concubinato. O que a separação exigia e o que deviam inscrever
na Constituição, era o seguinte: ‘Os casamentos só teriam seus effeitos legaes
depois de registrados pelos juízes ou outras pessoas encarregadas desse
serviço’, e mais nada.
Mas, assim não se conseguiria o
fim único que não ousaram confessar os directores mentaes da Constituinte e que
foi tão somente rebaixar, aviltar o matrimonio cristhão!... É preciso dize-lo
bem alto: a Constituição de 24 de Fevereiro que, em geral, é bastante sábia e
liberal, é, pelo contrário, nesta questão, sectária, anti-liberal e perniciosa.
Porque não podem os parachos e os
ministros de outras religiões continuar a servir de officiaes civis do
casamento para os fieis de sua religião respectiva < p 5 >, reservando-se
aos atheus o direito de casar perante o Juiz? Que haveria nesta medida de
contrario às nomas republicanas?
Os ministros de uma religião não
são cidadãos como os outros? Não são aptos a ter registros em ordem, como
qualquer leigo?
E si mesmo quizesse a lei exigir
delles um registro, uma inscripção especial dos casamentos em livros detidos
por juízes especiaes, não acceitariam elles, em bem do povo esse ligeiro
accrescimo de trabalho?
Nos Estados Unidos, onde existe a
separação, os catholicos e os protestantes casam-se perante os seus ministros
respectivos, cabendo a estes a obrigação de communicar aos officiaes da justiça
a attestação do acto na forma da lei.
Na Inglaterra, Allemanha,
Hollanda, Noruega, paizes em que a religião do Estado é a protestante, podem os
catholicos casar-se diante de seus vigários, e seus casamentos têm o mesmo
valor, aos olhos da lei, que os dos protestantes!” p 6
“Guiou-se elle pelo conceito do
instituto do casamento, não entendendo subordinar os fins Moraes e sociaes aos
preceitos da religião.” P 8
“Mas abstracção feita do mesmo, o
divórcio, para ser repellido, tem razões de ordem superior...” p 8
“Não importa, por isto, que
separada a Igreja do Estado, separemos as verdades Moraes por Ella pregadas.” P
8
“É ainda Mostesquieu quem falha:
‘Os seres particulares e intelligentes podem ter leis que elles fizeram; mas
elles teem também leis que não fizeram. Antes das leis feitas, havia relações
de justiça. Dizer que só é justo e injusto o que as leis determinam, é como
afirmar que antes de se traçar o primeiro circulo não existiam os raios todos
iguaes [...] as leis politicas e civis de cada povo não devem ser sinão os
particulares em que se applica esta razão’.” P 8
Ihering: “O matrimonio não é um
simples contracto, porque delle resultam relações jurídicas permanentes, que
não interessam sómente aos indivíduos que o realizam, mas a sociedade inteira,
pelo que não se lhe podem applicar todas as regras communs aos contractos.” P
10
“Assim, se fosse possível
deslocar no casamento, em absoluto, do seu caracter de instituição social [...]
fixando [...] a preeminência da liberdade individual, abstração feita da
organização social.
A lógica seria determinar o amor
livre, as allianças sujeitas exclusivamente à vontade das partes, previstas as
condições de rescisão, com as multas, as clausulas penaes.
Ou o princípio é verdadeiro ou é
falso.” P 12
“E os que argumentam com a
tyrannia legal, que impede a união de pessoas que se sentem attrahidas uma para
a outra, esquecem que no fundo não é a lei que se ergue como barreira entre
ambos, mas a moral, a sancção da sociedade.” P 12
“Mahomet, pregando como
mandamento religioso a abstenção da carne de suíno, bem sabia que era esse o
melhor modo de obter essa abstenção de um alimento a que attribuia a propagação
da lepra.
Não é certo que a abstenção da
carne imposta pela Igreja como um mandamento, é na opinião de muitos uma
prescripção de hygiene?
E a sciencia, que affirma hoje
que a alimentação pela carne deve ser restringida, acaso recuará de
aconselhá-la, por temor de parecer submeter-se a um mandamento do
catholicismo?” p 18
“Foi a Igreja que levantou a mulher
da posição inferior em que o direito romano e o direito bárbaro a mantinham,
obedecendo a um grande princípio de justiça, assim.
E porque julguemos poder
dispensar a influencia da Igreja na direcção da sociedade moderna, deveremos
repudiar a sua obra, si ella foi bemfazeja?” p 18
“Ella [a igreja] concebeu
realizar a felicidade humana pela unidade religiosa; o espírito do século
pretende realizá-la pela sciencia.” P 19
“Ninguem pregou ainda, como
corollario necessário do principio da liberdade de crenças, que possamos
tolerar como legitima a polygamia entre aquelles que adoptam uma religião que a
consente.
Porque?
É que consideramos a monogamia
como base da família e esta como instituição social.” P 20
A Commissão de Constituição e
Justiça aconselha, pois, à Camara a rejeição do projecto.
Sala das Commissões, agosto de
1908
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