Passo de Gigante

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domingo, 12 de agosto de 2012

Padre Josimo


No dia 10 de maio de 1986, na cidade de Imperatriz (MA), foi assassinado o Padre Josimo. O padre atuava na região do Bico do Papagaio (MA-TO-PA), aonde coordenou a Pastoral da Juventude desta Diocese, conhecida por intensos conflitos de disputa pela terra e que anos antes havia sido o cenário da guerrilha do Araguaia. Depois tornou-se um dos coordenadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Foi assassinado com dois tiros pelas costas quando subia as escadarias do prédio onde funcionava o escritório da CPT.

Testamento escrito pelo Padre Josimo:

"Tenho que assumir. Estou empenhado na luta pela causa dos lavradores indefesos, povo oprimido nas garras do latifúndio. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará em seu favor?
Eu, pelo menos, nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos, riqueza...
Só tenho pena de uma coisa: de minha mãe, que só tem a mim e ninguém mais por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidam dela.
Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma causa justa.
Agora, quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma conseqüência lógica do meu trabalho na luta e defesa dos pobres, em prol do Evangelho, que me levou a assumir essa luta até as últimas conseqüências.
A minha vida nada vale em vista da morte de tantos lavradores assassinados, violentados, despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. Josimo Morais Tavares"

(Foto da Capela onde encontra-se o corpo do Padre Josimo)




"Lamentação dos Pequenos

Ó Terra, minha Mãe e Pátria!
Qual arroz e feijão,
Em seu seio fui gerado e vim à luz!
Mas agora quem sou eu?
Humilhado, sem você,
Já velho e sem esperança,
Sem força para aguentar o combate,
Fui lançado fora do seu calor de mãe,
Como se vomita coisa ruim.

Os grandes e poderosos penetraram em você,
Pisaram todo o seu corpo,
Parte por parte
E arrancaram dos seus braços
Os mais queridos filhos,
Os mais sorridentes e trabalhadores,
Os mais fracos e pequeninos.
Mas você continua a existir!
A existir como escrava de grileiros e poderosos!
Cada dia, todo momento, cada minuto,
Imóvel, abismado, fraco, algemado em minha fome,
Ouço os seus gemidos de dores,
Esperando a libertação dos seus filhos.

Ó Terra, minha Mãe,
Olho em você e vejo apenas a Explorada;
A Sofredora, reduzida ao silêncio da maldade;
A Pátria invadida por terroristas oficiais!
Ó Mãe infeliz e vã!
Por que você ainda quer continuar a viver?
Já rotas por causa dos filhos violentados
Pelas armas oficiais,
Pelas leis de momentos,
Pela morte sem nome,
Suas entranhas dão seu último clamor aos céus.
Ninguém ouve!
Trovões e relâmpagos são formas de protestos
Contra as injustiças e a expulsão de seus amados!
Ninguém, ninguém mesmo, ouve os seus lamentos!

Ó Mãe fecunda
Obrigada a ficar estéril.
Você já não é a mãe de muitos filhos!
Fizeram de você simplesmente
A produtora de capim e escrava dos bolsos dos ricos!
Se olho para as suas matas,
Vejo puramente capoeira e Sol ao meio-dia!
Querendo colher alimentos que dão vida e saciam a fome,
Arrasto em meu corpo colonhões e lajeados...
Se quero sentir o cheiro do seu corpo virgem,
Meus narizes se enchem de catinga de bois a arados...

Qual o sentido da sua vida neste momento,
Ó Mãe infeliz e vã?!
Ainda vale a pena viver,
Ó Mãe sem filhos?

Fizeram de você simplesmente
A produtora de capim e escrava dos lucros dos ricos!
Ó Terra, minha Mãe e Pátria!
Qual arroz e feijão,
Em seu seio fui gerado e vim à luz!
Mas agora quem sou eu?
Ainda vale a pena querer viver,
Ó Mãe sem filhos,
Servindo apenas os ricos e poderosos?!"
Josimo Morais Tavares, agosto de 1979

................


"No Araguaia

Que céu azul!
E o brilho deste Sol?!
Quando,
Às margens do Araguaia,
Seguido ou seguindo a meninada,
Corria jovial com os caniços na mão

Cheio de alegria,
A inocência nos olhos,
Nas mãos, e na boca;
No ar que respirava,
Na mente do pensamento,

[...]

A respiração dos botos,
As rebanadas dos tucunarés,
A correira dos lambaris,
O salto das sardinhas,
O vôo dos avoadores,
E a milanga, o anzol, o caniço, a mão.

[...]

E as goiabas d'água
Que matavam a fome no estômago
Do menino (filho e gente)
Cheio de água e ar.

Realmente surgindo,
Início duma nova vida:
Catarse, despreocupação
Nas águas brancas
E fundas, e rasas e verdes
Das dunas, das rosas e redes.

O facão quebrou.
Trouxemos a lenha:
A canoa se afundando,
O medo e a afoiteza,
A inocência nos olhos, no corpo,
A alegria profunda..."
Josimo Morais Tavares, Aparecida, outubro de 1973