Passo de Gigante

Faz de conta...









sexta-feira, 23 de novembro de 2012

vida de escritor...


"foi-se vendo outro aspecto desta realidade, que a completa e é parte devida às próprias faculdades jurídicas: a reação ante essa ordem excessiva por parte do boêmio e do estudante, que muitas vezes eram o escritor antes da idade burocrática. Este elemento renovador e dinamizador acabou por ser parcialmente racionalizado pelas ideologias dominantes, esboçando-se nos costumes certa simpatia complacente pelo jovem irregular, que antes de ser homem grave quebrava um pouco a monotonia do nosso Império encartolado, mas nem por isso perdia o benefício do seu apoio futuro. Conta-se que Guimarães Passos, moço e miserável, sem ter o que almoçar, planejou com um companheiro de boemia roubar a carne servida às feras que o Imperador mantinha na Quinta da Boa Vista. Tentando retirá-la de uma jaula, foi afugentado pelos rugidos do animal e veio, em carreira desabalada, parar nas janelas da biblioteca. O bibliotecário, com senso de humor, interessou-se pelo caso, e o talentoso gatuno acabou nomeado arquivista do Palácio."
Antonio Candido

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Niterói


"A região metropolitana do Rio de Janeiro, onde legalmente Niterói se insere, tem, como toda metrópole, tentáculos multidirecionais que se enredam com base na matriz impessoal definida pelo seu labirinto. É isso! A metrópole é um labirinto... E todo labirinto esconde um Minotauro que exige sacrifícios de carne humana...
[...]
Para matar o Minotauro de Creta, o ateniense Teseu valeu-se do fio de Aiadne, através do qual pode reconhecer o caminho da saída. Ao deitar o fio, Teseu marcou o seu trajeto, apossando-se de certo modo dele, como o flâneur [andarilho] se apodera da cidade ao vagar irrefletidamente por ruas e praças. Ao identificar o fio ele separou o seu trajeto do contínuo infinito de trajetos possíveis e assim se salvou.
Nosso fio de Ariadne, nossas marcas para fugir do monstro, são os monumentos que distinguem nossos caminhos do contínuo impessoal.
[...]
Os bens municipais verdadeiros são aqueles que fazem eclodir em cada niteroiense uma reação peculiar e que o distingue conscientemente do carioca ou do brasileiro genérico. São notas características da cidade que não são perceptíveis senão aos detentores de um quê peculiar que os faz confrades nessa comunidade (gemeinschaft) que se define como Niterói.
[...]
Rio e Niterói são cidades espelhadas, filhas da Guanabara que as gerou juntas para destinos interligados. O inimigo é a metrópole que pode fagocitar Niterói, reduzindo-a a um subúrbio. Cumpre vigiar a metrópole como faz Araribóia de pé em frente à dua da Conceição, e dar o alarme quando a civilização (gesellschaft) deixar de ser vizinha e ameaçar a kultur provinciana, engolindo Niterói como fez com Nilópolis, Meriti, Queimados...
[...]
Antes porém de Teseu e Ariadne, e do rei Minos prender o Minotauro, Dédalo, arquiteto do labirinto, se havia enredado na sua própria criação. Preso no palácio e não lhe encontrando a saída, atou com cera de abelhas asas às costas e voou. Ao engenho que lhe permitiu transcender as teias incompreensíveis do labirinto. Voando salvou-se.
E o vôo de Dédalo permitiu ver o labirinto do alto, à distância. E, à distância, compreendê-lo, desvendá-lo. Assim, Niterói, como Araribóia, ao ver o Rio de Janeiro do outro lado salva-se por se descobrir do lodo de cá, em oposição ao perigoso 'outro'. Daí que, para preservação da personalidade cultural de Niterói, a melhor coisa é a vista do Rio!"
Texto de GUSTAVO ROCHA-PEIXOTO, "NITERÓI PATRIMÔNIO"

domingo, 18 de novembro de 2012

DO NOT GO GENTLE


NÃO VÁS TÃO DOCILMENTE

"Não vás tão docilmente nessa noite linda;
Que a velhice arda e brade ao término do dia;
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Embora o sábio entenda que a treva é bem-vinda
Quando a palavra já perdeu toda a magia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O justo, à última onda, ao entrever, ainda,
Seus débeis dons dançando ao verde da baía,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

O louco que, a sorrir, sofreia o sol e brinda,
Sem saber que o feriu com a sua ousadia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O grave, quase cego, ao vislumbrar o fim da
Aurora astral que o seu olhar incendiaria,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Assim, meu pai, do alto que nos deslinda,
Me abençoa ou maldiz. Rodo-te, todavia:
Não vás tão docilmente nessa noite linda.
Clama, clama contra o apagar da luz que finda."

Tradução de Augusto de Campos do poema de Dylan Thomas ("DO NOT GO GENTLE")

DO NOT GO GENTLE

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

Celso Furtado por Francisco de Oliveira


"Pedem-lhe, doutor Celso Furtado, que os lidere novamente, qual um novo dom Sebastião. E lhe dizem que nunca houve a batalha fatal, que foi apenas um pesadelo, que a história é feita de derrotas e que a derrota das derrotas é essa celebração. Porque a celebração dos derrotados é a derrota dos vencedores. Porque a celebração dos derrotados vergasta a vitória dos vencedores com o amargor da incompletude, da falsificação, da desolação. Estamos prontos, novamente, doutor Celso Furtado. Com nossa precariedade, com nossa mágoa pelo tempo perdido, com nosso nordestino de nordestinados, com nossa ética federalista e republicana, de que o senhor é o emblema maior da República Nordestina da Nostalgia e do Futuro. As vidas vividas não foram desperdiçadas: elas prepararam o futuro, no solo árido da desolação do presente."

Final do texto de Francisco de Oliveira no Seminário "Celso Furtado, a Sudene e o futuro do Nordeste".