Passo de Gigante

Faz de conta...









sexta-feira, 23 de novembro de 2012

vida de escritor...


"foi-se vendo outro aspecto desta realidade, que a completa e é parte devida às próprias faculdades jurídicas: a reação ante essa ordem excessiva por parte do boêmio e do estudante, que muitas vezes eram o escritor antes da idade burocrática. Este elemento renovador e dinamizador acabou por ser parcialmente racionalizado pelas ideologias dominantes, esboçando-se nos costumes certa simpatia complacente pelo jovem irregular, que antes de ser homem grave quebrava um pouco a monotonia do nosso Império encartolado, mas nem por isso perdia o benefício do seu apoio futuro. Conta-se que Guimarães Passos, moço e miserável, sem ter o que almoçar, planejou com um companheiro de boemia roubar a carne servida às feras que o Imperador mantinha na Quinta da Boa Vista. Tentando retirá-la de uma jaula, foi afugentado pelos rugidos do animal e veio, em carreira desabalada, parar nas janelas da biblioteca. O bibliotecário, com senso de humor, interessou-se pelo caso, e o talentoso gatuno acabou nomeado arquivista do Palácio."
Antonio Candido

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Niterói


"A região metropolitana do Rio de Janeiro, onde legalmente Niterói se insere, tem, como toda metrópole, tentáculos multidirecionais que se enredam com base na matriz impessoal definida pelo seu labirinto. É isso! A metrópole é um labirinto... E todo labirinto esconde um Minotauro que exige sacrifícios de carne humana...
[...]
Para matar o Minotauro de Creta, o ateniense Teseu valeu-se do fio de Aiadne, através do qual pode reconhecer o caminho da saída. Ao deitar o fio, Teseu marcou o seu trajeto, apossando-se de certo modo dele, como o flâneur [andarilho] se apodera da cidade ao vagar irrefletidamente por ruas e praças. Ao identificar o fio ele separou o seu trajeto do contínuo infinito de trajetos possíveis e assim se salvou.
Nosso fio de Ariadne, nossas marcas para fugir do monstro, são os monumentos que distinguem nossos caminhos do contínuo impessoal.
[...]
Os bens municipais verdadeiros são aqueles que fazem eclodir em cada niteroiense uma reação peculiar e que o distingue conscientemente do carioca ou do brasileiro genérico. São notas características da cidade que não são perceptíveis senão aos detentores de um quê peculiar que os faz confrades nessa comunidade (gemeinschaft) que se define como Niterói.
[...]
Rio e Niterói são cidades espelhadas, filhas da Guanabara que as gerou juntas para destinos interligados. O inimigo é a metrópole que pode fagocitar Niterói, reduzindo-a a um subúrbio. Cumpre vigiar a metrópole como faz Araribóia de pé em frente à dua da Conceição, e dar o alarme quando a civilização (gesellschaft) deixar de ser vizinha e ameaçar a kultur provinciana, engolindo Niterói como fez com Nilópolis, Meriti, Queimados...
[...]
Antes porém de Teseu e Ariadne, e do rei Minos prender o Minotauro, Dédalo, arquiteto do labirinto, se havia enredado na sua própria criação. Preso no palácio e não lhe encontrando a saída, atou com cera de abelhas asas às costas e voou. Ao engenho que lhe permitiu transcender as teias incompreensíveis do labirinto. Voando salvou-se.
E o vôo de Dédalo permitiu ver o labirinto do alto, à distância. E, à distância, compreendê-lo, desvendá-lo. Assim, Niterói, como Araribóia, ao ver o Rio de Janeiro do outro lado salva-se por se descobrir do lodo de cá, em oposição ao perigoso 'outro'. Daí que, para preservação da personalidade cultural de Niterói, a melhor coisa é a vista do Rio!"
Texto de GUSTAVO ROCHA-PEIXOTO, "NITERÓI PATRIMÔNIO"

domingo, 18 de novembro de 2012

DO NOT GO GENTLE


NÃO VÁS TÃO DOCILMENTE

"Não vás tão docilmente nessa noite linda;
Que a velhice arda e brade ao término do dia;
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Embora o sábio entenda que a treva é bem-vinda
Quando a palavra já perdeu toda a magia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O justo, à última onda, ao entrever, ainda,
Seus débeis dons dançando ao verde da baía,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

O louco que, a sorrir, sofreia o sol e brinda,
Sem saber que o feriu com a sua ousadia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O grave, quase cego, ao vislumbrar o fim da
Aurora astral que o seu olhar incendiaria,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Assim, meu pai, do alto que nos deslinda,
Me abençoa ou maldiz. Rodo-te, todavia:
Não vás tão docilmente nessa noite linda.
Clama, clama contra o apagar da luz que finda."

Tradução de Augusto de Campos do poema de Dylan Thomas ("DO NOT GO GENTLE")

DO NOT GO GENTLE

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

Celso Furtado por Francisco de Oliveira


"Pedem-lhe, doutor Celso Furtado, que os lidere novamente, qual um novo dom Sebastião. E lhe dizem que nunca houve a batalha fatal, que foi apenas um pesadelo, que a história é feita de derrotas e que a derrota das derrotas é essa celebração. Porque a celebração dos derrotados é a derrota dos vencedores. Porque a celebração dos derrotados vergasta a vitória dos vencedores com o amargor da incompletude, da falsificação, da desolação. Estamos prontos, novamente, doutor Celso Furtado. Com nossa precariedade, com nossa mágoa pelo tempo perdido, com nosso nordestino de nordestinados, com nossa ética federalista e republicana, de que o senhor é o emblema maior da República Nordestina da Nostalgia e do Futuro. As vidas vividas não foram desperdiçadas: elas prepararam o futuro, no solo árido da desolação do presente."

Final do texto de Francisco de Oliveira no Seminário "Celso Furtado, a Sudene e o futuro do Nordeste".

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Toponímia Indígena - NEHENGAJARA


Eis pequeno livro digitalizado do meu avô, relatando os estudos do meu bisavô para a construção de um "Etymologicon de Toponímia Indígena". O trabalho do meu bisavô pode ser se classificar hoje, numa linguagem gramsciniana, como intelectual orgânico da Igreja Católica. São escritos reunidos pelo meu avô de dois cadernos: Toponímia Indígena do Brasil - Notas; e Nehengajara.



ESPERANÇA
AD LULA

Para organizar
Sujeitos e predicados,
Que se agridem ou gozam,
Prendê-los-emos em sentenças,
Cadeias feitas de prismas
Para medir a Esperança:
Em agir,
Em sentir e
Pensar.

*

Ver no mundo
A perfeição do Criador
Foi infância-adolescência
De católico sonhador,
Onde a hierarquia e a obediência
Num absolutismo afetivo
Desenharam o tomismo.

Numa falha no sistema
Como uma Matrix,
Um marginal utópico,
Um mendigo,
Pária, estranho,
Explorado, perseguido,
Desempregado, não-empregável,
Excluído. Exclama:
“- Não sou isso,
Sou revolucionário.
Minha consciência pode não ser,
Mas enquanto viver
Violarei as regras do jogo
Para mostrar o roubo,
Das cartas marcadas
Às vidas sacrificadas.
Maldita miséria!
Vivo da opulência do lixo!
Façam pilhérias!
Tratem-me como bicho!
Sou uma mostra do capitalismo,
Alerta contra o consumismo.
Por baixo da base conservadora
Integro a luta armada,
Assalto a burguesia.
Tô além da esquerda,
Fora da democracia.
Na essência da miséria,
Na crua realidade
Descobri a minha inexistência.
Chamam-me de imprestável,
Mas sou inominável.
Sou frio
Temido
E humilhado.
Pensam que quero pouco,
Quero é ser respeitado.
Não faço escândalo.
Não me curvo para doutor,
Não quero esmola,
Mas liberdade.
Vivo a verdade
Como um predador,
Em plena esperteza:
Só o silêncio é grande,
O resto é fraqueza.”

“Prolem sine matre creatam”[1]

Da mais-valia
Mais vale
Ver a vida
Que se esconde
Atrás do trabalho.
Numa contradição
Opondo a exploração
Ao reino da liberdade.
Síntese tal
Que numa louca aritimética,
Perpassada pelo Tao,
Ou mesmo a dialética
Desse mundo que vivemos.

*

Eliminemos as noções,
Capazes de compreender
A lógica das nações,
Dizem os Deuses,
Imensos e majestosos.
O Império fala das alturas
Pelas palavras sacras,
Tão altas no estrondo,
Tão elevadas para a compreensão,
Tão inteligentes no destino,
Trazendo com o seu toque
O que sua presença nos obriga
No caminho com a morte.
Em frente
Ou pelos lados,
Nos vemos a sós,
Com vós,
Que sois
Da democracia guardiões,
E da vida:
Solidões.

*

Do mito já dito,
Em grego esquecido,
Apareceu outrora
A caixa de Pandora.
Trazendo pragas e maldição,
O desastre e a doença.
Foi fechada com pressa,
Deixando em sua escuridão
A morte em forma de sentimento,
Falo da Esperança.

De caixa na realidade
Se transformou em Vaso,
De horror em beldade,
Eis o Vaso da Felicidade.

Toda vez que o mortal
Ver(a)cidade dos deuses,
Ficará revoltado.
E para acalmá-lo,
Bloquear seus desejos
Abriremos a caixa,
Agora vaso,
Que tem guardado
A Esperança que trará,
Num amanhã bem afastado
A mudança.

*

Cara Esperança
Caro data vermibus[2],
Perinde ac cadaver[3],
Supérflua bonança,
Flui na superfície a alegria
De ser ideologia
Cadavergehorsan[4]
Enquanto na academia
“Nous prenait une toile,
Nous récitions de vers
Groupés autour du poêle
Em oubliant l´hiver.”[5]

*

Ou,
Do novo,
Se não se espera,
Não se encontra
O inesperado[6].

Rodolfo Lobato, 2004




[1] Ovídio – “Filho Nascido Sem Mãe” – Credo Quia Absurdum
[2] Carne dada aos vermes, CAro DAta VERmibus = CADAVER
[3] Obediente como um cadáver.
[4] “a palavra alemã utilizada na obediência incondicional e submissão absoluta a Adolf Hitler e seus representantes, em toda a cadeia de comando. FILHO, Gisálio C. A “Questão Social” no Brasil.
[5] La Bohème, Charles Aznavour. “Nós pegávamos um pano/Recitávamos versos/ Agrupados em volta da panela/ Esquecendo o inverno”.
[6] “Se não se espera, não se encontra o inespertado, estando-se sem meios para uma procura cuidadosa por um saber exato e sem passagem”. Fragmento 18 de Heráclito segundo Herman Diels, traduzido por Daniel Rubião.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012


Cartas da biblioteca de um poeta, por Rodolfo Bezerra de Menezes Lobato da Costa (rodolfolobato@hotmail.com), Niterói, 24 de outubro de 2012.
APRESENTAÇÃO

Quando guardamos os nossos livros há várias formas possíveis de organização, algumas idiossincráticas, outras necessárias ou funcionais. E entre as páginas de um livro encontramos às vezes enigmas, sejam nas formas de marcações, lembretes, recados, telefones, declarações, nomes de desconhecidos ou conhecidos. Esse texto quer apenas apresentar três cartas que encontrei em três livros, que hoje compõem uma biblioteca em formação.

Enquanto o ato de catalogar permite que encontremos com mais facilidade o livro desejado, o ato de procurar permite que o objeto desejado possa ser conjugado com escritos/desejos esquecidos, sonhos, passados e presentes do destino. O objetivo desse texto é única e exclusivamente de socializar três cartas, presentes de herança:

Carta 1: intitulada “Isto você não poderá ler nos jornais”, assinada pelo Comitê de Defesa dos Presos Políticos no Brasil (USP, 06/04/1974), uma herança coletiva;
Carta 2: “Détaille du Combat de l'Escadre", escrita no dia 31 de outubro de 1782;
Carta 3: uma carta do meu avô paterno para meu avô materno, em 1954.

Esse texto surge como subproduto de um trabalho da disciplina de Metodologia Científica do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, da Universidade Federal Fluminense. Ao refletir sobre a as "referências bibliográficas" do projeto de mestrado coloquei-me a questão do quanto a Biblioteca construída ao longo da vida permanece enquanto um mundo inconsciente de referências, histórias e mitos que, querendo ou não, deixam marcas e cicatrizes em nossos cosmos.

INTRODUÇÃO

Antes, gostaria de fazer algumas ressalvas. Há um purismo, com certa razão, que deseja conservar as páginas “limpas”, para que outros possam desfrutar no futuro dos respectivos livros. Mas, na verdade, quando o livro passa pela mão de alguém, transforma-se o livro e o leitor. Seja pelo conteúdo escrito pelo autor ou pelo conteúdo produzido pelo leitor.

O livro é, também, um lugar, a força/gravidade exercida pela sua existência precisa ser trabalhada, principalmente, quando eles deixam de ser individuais e passam a ser coletivos, a biblioteca. Para um observador externo, não apaixonado pelas letras, a biblioteca não passaria de um lugar funcional. Sua missão seria guardar, colocar à disposição e, também, uma espécie de memória longínqua. E, assim, guarda outros tipos de informações que não querem ser encontradas.

De quatro avós recebi de herança bilhetes para algumas viagens, viagens essas para o passado. Pela minha mãe, tenho um meu avô de raízes portuguesa e indígena (Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes) que casou com minha avó, filha de portugueses (Odette Machado Pereira). Pelo meu pai, tenho meu avô com raízes portuguesa e africana (Aulomar Lobato da Costa) e minha avó de origem francesa (Maria de Lourdes Duboc Pinaud).

Quando brincávamos, eu e meus primos, ainda pequenos, meu avô Geraldo sempre aconselhava-nos a quebrar todo alçapão de pássaros que encontrávamos nas trilhas da Serra da Tiririca. A sensação de prender o pensamento em determinadas prateleiras, fechadas num universo único e conjuntural do bibliotecário (seja a bilblioteca pessoal ou coletiva) é uma ilusão e uma crueldade. As prateleiras podem se comportar como prisões para determinados livros, que precisam ser alcançados pelos olhos não só de quem os procura, mas, também, de quem não os procura.

Toda biblioteca possui sessões, cessões e seções. Arrisco falar que do latim (Sessio, onis - ação de sentar-se, assento, cadeira, pouso, audiência, reunião[1]) surgiram formas posteriores que, para além de "sessão" original, desenvolveu-se o ato de dar posse de algo ao outrem (cessão) ou mesmo a organização formalizada em repartir, seccionar (seção).
Nesse sentido percebemos a biblioteca não como uma entidade imóvel, uma grande construção ou uma grande pedra. A crítica à imobilidade ou a sua perenidade encontra numa ficção de Jorge Luis Borges (“O Jardim de caminhos que se bifurcam”) uma história que pode ser útil para conjugar a biblioteca como lugar para a biblioteca como tempo. Trata-se de Ts’ui Pen:

“douto em astronomia, em astrologia e na interpretação infatigável dos livros canônicos, enxadrista, famoso poeta e calígrafo: abandonou tudo para compor um livro e um labirinto. Renunciou aos prazeres da opressão, da justiça, do numeroso leito, dos banquetes e ainda da erudição e enclausurou-se durante treze anos no Pavilhão da Límpida Solidão. Ao morrer, os herdeiros encontraram manuscritos caóticos. A família, como talvez o senhor não ignore, quis adjucá-los ao fogo; mas seu testamenteiro – um monge taoista ou budista – insistiu na publicação.” (p.102 e 103)

Podemos traçar um paralelo entro o labirinto e a biblioteca, que são, com suas respectivas naturezas distintas, enigmas; e como Ts’ui Pen acreditava que o tempo não é uniforme ou absoluto, temos o “tempo” como charada ou parábola a ser transcrita num livro que não seja finito. Assim, o “tempo se bifurca perpetuamente para inumeráveis futuros” (p108).

CARTA 1  - Vasculhando um sebo no centro de Niterói encontro, por acaso, um papel dobrado em quatro partes. Com as folhas já marcadas com o amarelo do tempo, mal digitada, como alguém que digita rapidamente um texto. Um digitar que reforça a ideia de medo e violência dos anos que se seguiram à ditadura militar de 1964.

O texto, expressão da luta pela liberdade dos presos políticos no Brasil, tem sua origem na Cidade Universitária da USP, mais precisamente do Comitê de Defesa dos Presos Políticos. Comitê, que tinha os seguintes objetivos:

Divulgar toda prisão ou quaisquer arbitrariedades que venham a ocorrer nos diferentes setores da população, comprometendo-se com a integridade física da pessoa detida; Divulgar o número e as condições atuais dos presos políticos no país; 3 - Promover assistência jurídica às pessoas presas; Promover o amparo material (financeiro) aos familiares dos detidos.
Um movimento assinado por estudantes, familiares dos presos políticos, representantes da Igreja, MDB e advogados. A carta tem a seguinte introdução:

"Na última semana, só em São Paulo, foram presas 33 (trinta e três) pessoas ligadas ao meio universitário. O fato passaria despercebido não fosse a quantidade de pessoas presas de uma só vez. [...] a imprensa nada informa. O imenso controle policial imposto ao país nesse momento impede qualquer manifestação possível do povo brasileiro, que não perdeu o hábito de duvidar, de exprimir suas idéias livremente, de discordar abertamente de um regime que o vem prejudicando há mais de dez anos. [...] Os intelectuais não podem apresentar suas obras ao público. Os trabalhadores não podem reivindicar maiores salários: atualmente ocorrem prisões em massa nos meios sindicais."

Com o aviso "LEIA - DIVULGUE - REPRODUZA E DENUNCIE", a carta pedia a urgente ação diante dos seguintes desaparecidos políticos:





CARTA 2 - A segunda carta aqui descrita apresenta um desafio enorme para a compreensão, não só por ser escrita em francês, mas por ser escrita em um francês do século XVIII. Não se trata apenas de um exercício de tradução, mas, também de compreender outra forma de caligrafia.

O texto intitula-se "Détaille du Combat de l'Escadre", escrito no dia 31 de outubro de 1782. A tentativa de reprodução da caligrafia do autor foi a forma que utilizei para descobrir quais eram as letras para, depois, tentar traduzir alguns trechos.




Mas, ao abrir o documento, com cerca de 10 páginas, fui obrigado a interromper o trabalho, pois as páginas estavam comprometidas pelo tempo. E apenas um trabalho profissional permitirá descobrir quem foi o autor e para quem foi destinada essa carta.

A parte ainda legível do texto permite compreender os acontecimentos referentes a uma batalha entre uma esquadra de navios franceses contra uma esquadra de navios ingleses em uma falsa baía. Detalhes em forma de desenho mostram as posições das duas esquadras antes do combate.



Esse documento será encaminhado para a Biblioteca Nacional para fins de preservação, mesmo que a ligação entre a descoberta dele entre um dos livros que ganhei de herança ainda continue desconhecida, permanecendo enigmáticas as razões pelas quais essas páginas chegaram até às minhas mãos.

Carta 3 - Por último, uma carta escrita pelo meu avô paterno para o meu avô materno em 1954 mostram laços de amizade, respeito intelectual, militância na Igreja católica e vínculos profissionais entre dois juristas, um morando na cidade do Rio de Janeiro e outro em Niterói. Destaco que nesse dia (10 de fevereiro de 1954) meu pai (Fernando Pinaud Lobato da Costa) tinha menos de um ano de idade, e minha mãe (Idalina Pereira Bezerra de Menezes) ainda não havia nascido, o que só aconteceria em 1957.

A carta é uma resposta ao presente enviado pelo meu avô materno, um livro de sua autoria intitulado “Doutrina Social e Direito do Trabalho”.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse texto não tem caráter acadêmico, trata-se apenas de uma forma de homenagear dois dos meus avós que faleceram em 2012, Odette e Aulomar.

Nos dois lados da minha família há o hábito de cuidar da sua respectiva biblioteca como fonte de conhecimento e preservação da memória. Dessa forma faço um paralelo entre a minha história familiar e da nossa civilização, que encontrou na Biblioteca de Alexandria um lugar especial para reflexão.

De uma mulher, Odette Pereira Bezerra de Menezes, que dedicou a vida para criar 15 filhos vem à minha mente a história de outra mulher, que optou em casar com a verdade, trata-se de Hipácia. Uma matemática, astrônoma e física que liderava a escola de filosofia neoplatônica de Alexandria. Ela nasceu nesta cidade, no ano de 370. Naquela época, as mulheres não tinham muitas alternativas, eram consideradas propriedades. Apesar disso, Hipácia movia-se livre e desembaraçadamente em domínios tradicionalmente masculinos. Segundo os relatos, era dotada de grande beleza e, embora não lhe faltassem pretendentes, não tinha interesse nenhum em se casar.

Correndo grande risco, Hipácia continuou a ensinar e publicar até que, no ano de 415, a caminho do trabalho, foi abordada por seguidores fanáticos de Cirilo (bispo de Alexandria), que a arrancaram de sua carruagem, rasgaram-lhe as roupas e a esfolaram até os ossos usando conchas afiadas. Cirilo foi canonizado. E a Biblioteca de Alexandria, um ano depois da morte de Hipácia, foi destruída. Sabemos que, nesta biblioteca, existiam 123 peças de Sófocles, das quais somente 7 sobreviveram, uma das quais: Édipo Rei.


[1] Página 181, dicionário de latim

segunda-feira, 1 de outubro de 2012


Requiescat in pace


“A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal às das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem.”

ERIC HOBSBAWM (1917-2012)

domingo, 12 de agosto de 2012

Padre Josimo


No dia 10 de maio de 1986, na cidade de Imperatriz (MA), foi assassinado o Padre Josimo. O padre atuava na região do Bico do Papagaio (MA-TO-PA), aonde coordenou a Pastoral da Juventude desta Diocese, conhecida por intensos conflitos de disputa pela terra e que anos antes havia sido o cenário da guerrilha do Araguaia. Depois tornou-se um dos coordenadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Foi assassinado com dois tiros pelas costas quando subia as escadarias do prédio onde funcionava o escritório da CPT.

Testamento escrito pelo Padre Josimo:

"Tenho que assumir. Estou empenhado na luta pela causa dos lavradores indefesos, povo oprimido nas garras do latifúndio. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará em seu favor?
Eu, pelo menos, nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos, riqueza...
Só tenho pena de uma coisa: de minha mãe, que só tem a mim e ninguém mais por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidam dela.
Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma causa justa.
Agora, quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma conseqüência lógica do meu trabalho na luta e defesa dos pobres, em prol do Evangelho, que me levou a assumir essa luta até as últimas conseqüências.
A minha vida nada vale em vista da morte de tantos lavradores assassinados, violentados, despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. Josimo Morais Tavares"

(Foto da Capela onde encontra-se o corpo do Padre Josimo)




"Lamentação dos Pequenos

Ó Terra, minha Mãe e Pátria!
Qual arroz e feijão,
Em seu seio fui gerado e vim à luz!
Mas agora quem sou eu?
Humilhado, sem você,
Já velho e sem esperança,
Sem força para aguentar o combate,
Fui lançado fora do seu calor de mãe,
Como se vomita coisa ruim.

Os grandes e poderosos penetraram em você,
Pisaram todo o seu corpo,
Parte por parte
E arrancaram dos seus braços
Os mais queridos filhos,
Os mais sorridentes e trabalhadores,
Os mais fracos e pequeninos.
Mas você continua a existir!
A existir como escrava de grileiros e poderosos!
Cada dia, todo momento, cada minuto,
Imóvel, abismado, fraco, algemado em minha fome,
Ouço os seus gemidos de dores,
Esperando a libertação dos seus filhos.

Ó Terra, minha Mãe,
Olho em você e vejo apenas a Explorada;
A Sofredora, reduzida ao silêncio da maldade;
A Pátria invadida por terroristas oficiais!
Ó Mãe infeliz e vã!
Por que você ainda quer continuar a viver?
Já rotas por causa dos filhos violentados
Pelas armas oficiais,
Pelas leis de momentos,
Pela morte sem nome,
Suas entranhas dão seu último clamor aos céus.
Ninguém ouve!
Trovões e relâmpagos são formas de protestos
Contra as injustiças e a expulsão de seus amados!
Ninguém, ninguém mesmo, ouve os seus lamentos!

Ó Mãe fecunda
Obrigada a ficar estéril.
Você já não é a mãe de muitos filhos!
Fizeram de você simplesmente
A produtora de capim e escrava dos bolsos dos ricos!
Se olho para as suas matas,
Vejo puramente capoeira e Sol ao meio-dia!
Querendo colher alimentos que dão vida e saciam a fome,
Arrasto em meu corpo colonhões e lajeados...
Se quero sentir o cheiro do seu corpo virgem,
Meus narizes se enchem de catinga de bois a arados...

Qual o sentido da sua vida neste momento,
Ó Mãe infeliz e vã?!
Ainda vale a pena viver,
Ó Mãe sem filhos?

Fizeram de você simplesmente
A produtora de capim e escrava dos lucros dos ricos!
Ó Terra, minha Mãe e Pátria!
Qual arroz e feijão,
Em seu seio fui gerado e vim à luz!
Mas agora quem sou eu?
Ainda vale a pena querer viver,
Ó Mãe sem filhos,
Servindo apenas os ricos e poderosos?!"
Josimo Morais Tavares, agosto de 1979

................


"No Araguaia

Que céu azul!
E o brilho deste Sol?!
Quando,
Às margens do Araguaia,
Seguido ou seguindo a meninada,
Corria jovial com os caniços na mão

Cheio de alegria,
A inocência nos olhos,
Nas mãos, e na boca;
No ar que respirava,
Na mente do pensamento,

[...]

A respiração dos botos,
As rebanadas dos tucunarés,
A correira dos lambaris,
O salto das sardinhas,
O vôo dos avoadores,
E a milanga, o anzol, o caniço, a mão.

[...]

E as goiabas d'água
Que matavam a fome no estômago
Do menino (filho e gente)
Cheio de água e ar.

Realmente surgindo,
Início duma nova vida:
Catarse, despreocupação
Nas águas brancas
E fundas, e rasas e verdes
Das dunas, das rosas e redes.

O facão quebrou.
Trouxemos a lenha:
A canoa se afundando,
O medo e a afoiteza,
A inocência nos olhos, no corpo,
A alegria profunda..."
Josimo Morais Tavares, Aparecida, outubro de 1973

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Discurso de formatura

"Pais, Mestres e Amigos...

Certa vez, um estudante que passou tanto no vestibular da UFF quanto no da UFRJ, apareceu no ICHF. Ele queria saber qual das faculdades de ciências sociais era melhor. Nessa ocasião responderam que professores bons e ruins existem em todas, mas para saber, /Há de estudar com amor,/ E ver no Gragoatá o Sol de pôr.

O Sol ilumina,/ Um conto contado sem assombro, /De todos os personagens dessa história,/ Seremos imagens guardadas na memória,/ Quando estivermos acompanhados/ De uma só sombra.// Separados,/ Vemos a unidade,/ Diferenças, conflitos e sonhos.

Bom, falarei da Universidade, que na verdade é uma localidade, quase uma entidade. Para o que mal a conhece, perdoa-me pelos detalhes que não poderei falar. Não tente imaginá-la, deixe a imagem flutuar, passe de leve; a menor idéia lhe bastará.

Gostaria de apresentar algumas questões. A primeira se refere ao fato de que estudar na Universidade Pública significou conviver com greves, isto é, conviver com a luta contra a privatização, que ocorre de forma gradativa. A resistência histórica dos professores, técnico-administrativos e estudantes, desde a greve de 1996 que derrubou o Projeto de Emenda Constitucional n. 370 (PEC-370), que já visava instituir a possibilidade de cobrança de mensalidades naquele momento; denunciamos as propostas de autonomia financeira que desresponsabilizava o governo federal de custear a educação. A greve coloca hoje, sob o pano de fundo dos atos de corrupção do governo Lula, velhos objetivos de deixar o ensino superior nas mãos invisíveis do mercado. Repetimos: educação não é mercadoria!

Falar que o mercado dará o tom da música em que dançaremos a sinfonia das ciências sociais, quer dizer que tocaremos uma marcha fúnebre. Pois as ciências sociais desarmadas da crítica ao status quo, Capital/capitalismo, representará a morte do pensamento criativo e transformador.

Hoje, mais da metade dos estudantes do ensino superior pagam mensalidades, não pagamos. Temos o direito de exigir uma nova direção, uma nova reitoria, o direito e a possibilidade de pesquisar. Mas isso não quer dizer que vocês estão olhando para privilegiados, para uma futura elite nacional, para futuros politiqueiros. Estudar ciências sociais significa, acima de tudo, renúncias e opções.

Renunciamos o amor cego ao dinheiro, pela capacidade de ver através das letras, de ver através das falas, de ver através. Renunciamos às certezas de uma vida sem questionamentos, aos questionamentos de uma vida de certezas. Isto é, escolhemos ser mal compreendidos, e, assim, descobrir novos significados para as palavras: etnocentrismo, preconceito, igualdade e liberdade.

Falar em universidade é falar em profissões, com significados diferentes, em escolhas. Quais valores a UFF deveria passar para formar um cientista social?

Nietzsche diz que uma profissão nos torna irrefletidos; nisso estaria sua maior bênção. Pois ela é um baluarte, atrás da qual podemos licitamente nos retirar, quando nos assaltam dúvidas e preocupações comuns.

Depois de quase cinco anos aqui dentro queria mandar um recado pra Nietzsche: você está errado. O cientista social formado pela UFF utiliza suas dúvidas e preocupações comuns como objetos de análise de um mundo onde não nos retiraremos. Como espelhos que aumentam e diminuem as imagens, refletimos o que há de pior e melhor; e num mundo onde reina o conflito e a desigualdade, sejamos a mudança.

Boa Noite!
Rodolfo Lobato, 05 de setembro de 2005.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Relação dos presos políticos cujos nomes chegaram ao Comitê até 06/4/74

Encontrei esse documento, datado de 06/04/1974, dentro de um livro num sebo em Niterói (RJ).








segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Anotação do ano de 1920

Franz Kafka - "Ele"


"Em nenhuma ocasião está suficiente preparado, nem sequer se lhe pode reprovar isso, porque, como poderia ter tempo para se preparar antecipadamente nesta vida que de modo tão doloroso exige estar pronto a cada instante? E ainda que o tivesse, como estar preparado sem conhecer o problema que é preciso resolver? Quer dizer: é realmente possível superar uma prova espontânea, imprevista, não disposta artificialmente? Por isso há tempo que foi destroçado pelas rodas; para essa ocasião - é curioso mas confortador - estive menos preparado do que nunca."

[...]

"Há quem nega a aflição apontando o sol; ele nega o sol assinalando a aflição.
O movimento ondulatório de toda vida, da própria e da alheia, lacerante, tardo, às vezes muito tempo detido, mas no fundo interminável, tortura-o porque aparelha a igualmente interminável exigência de pensar. Às vezes parece-lhe que esta tortura precede os acontecimentos. Quando se inteira de que nascerá o filho de um amigo, reconhece que já sofreu antes por isso como pensador.

[...]

"Mas não podia desejar dessa forma, já que esse desejo não era um desejo, era apenas uma defesa, uma admissão do nada, um sopro de vitalidade que queria conferir ao nada, no qual nessa oportunidade apenas aventurava os primeiros passos conscientes, mas sentindo-o já como seu elemento. Era como uma despedida do mundo das aparências da juventude, embora esta nunca o tivesse enganado diretamente, porém apenas através da palavra das eminências. O 'desejo' tornou-se pois necessário.

[...]

"O pecado original, a velha culpa do homem, consiste na censura que formula e na qual reincide, de ter sido ele a vítima da culpa e do pecado original."

[...]

"Certo cansaço impede-lhe erguer-se, a sensação de estar protegido, de jazer em um leito preparado para ele e que lhe pertence exclusivamente; mas não pode descansar, a intranquilidade expulsa-o do leito, impede-se-lhe a consciência, o coração que bate sem termo, o temor à morte e o desejo de refutá-lo. Torna a erguer-se. Esta agitação e algumas observações vagas casuais, fugitivas, constituem sua vida."

Chove

de Fernando Pessoa  

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...