Passo de Gigante

Faz de conta...









quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O Lobo e a Golfinha

Quadro de Maria Lucia Amorim Macedo Possas

 A minha avó conta uma lenda sobre o encontro de um lobo com uma golfinha. Uma história que aconteceu antes dos portugueses chegarem aqui em Niterói, e que os índios, por algum motivo, contaram apenas aos franceses.

Em um pôr-do-sol de primavera, um uivo de um lobo na pedra do pampo, em Itacoatiara, desperta a atenção de uma golfinha que nadava com seu grupo por perto, eles estavam indo para a Baía de Guanabara. Nessa hora, a golfinha se destaca do grupo e acompanha o segundo uivo do lobo. Assiste e nada até tão perto da pedra que conseguem se ver com auxílio do reflexo da lua cheia no espelho da água do mar, que estava prateada.


Um sinal com a barbatana da golfinha desperta o olhar do lobo, que late! A golfinha salta, o lobo late, late e late. Ela se esconde na água enquanto o lobo late. A golfinha salta novamente e o lobo late. Isso acontece por algumas vezes até que ela levanta o corpo para fora da água e assobia. O lobo fica encantado e silencia.


A golfinha nada para um lugar mais raso na prainha, o lobo pula no mar. A golfinha assiste o lobo nadar com dificuldade de dentro da água, coloca seu focinho nas costas do lobo e sente o pelo pela primeira vez. Os olhos dela alargam-se e escurecem com a excitação e, em seguida, acaricia as costas do lobo, que se vira e arranha a golfinha com o movimento das patas. Foi sem querer, mas ela foge e o lobo volta para a praia.


Em seguida a golfinha coloca a cabeça para fora da água e assobia, nadando para o raso. O lobo caminha até um lugar que consegue ficar em pé, onde a golfinha também consegue ir. O lobo cheira a pele da golfinha e com o nariz percebe como é lisa e suave! Ela vira o corpo roçando nos pelos do lobo e fica com a barriga para cima. Nessa hora o lobo lambe a barriga da golfinha, justamente onde fica seu órgão genital. A excitação foi mútua.

Segundo minha avó, no dia seguinte o lobo foi até Itacoatiara e não encontrou mais a golfinha. Pensando nisso o lobo foi tomar cauím (uma bebida alcoólica da mandioca) com dois amigos velhos da Serra de Tiririca: o Xauim (um tipo de macaco) e a Cuíca (uma rata com rabo comprido), ele precisava de alguns conselhos. Depois de vários goles, surge uma discussão.

O Xauim falou que ele tinha que criar um ayty (ninho) pra golfinha. O macaco velho ainda disse para levá-la para alguma araruama (terrra de papagaios), porque, segundo ele, os golfinhos são ararê (amigo dos papagaios). A Cuíca retrucou e disse que pirá (peixe) não faz ninho, e que apesar dela gostar Aram (Sol), provavelmente pegará em seu caminho de volta uma arani (tempo furioso) e nem conseguirá voltar.  Segundo ela, ainda, toda golfinha é apuama (que não pára em casa, veloz, que tem correnteza).

Xauim, completamente bêbado, deu um tapa na bunda da Cuíca e chamou ela de burra! Primeiro porque golfinho não é pirá, mas um mamífero; segundo, porque todo guará (lobo) é apoena ( que consegue ver longe), e que não cairia em historinhas pra provocar ciúmes de uma Cuíca bêbada! Disse ainda que o golfinho parece goitacá (nômade), mas gosta mesmo é de um bom ayty! Cuíca mordeu o próprio rabo e concordou com Xauim. Mas disse que se realmente ela é uma Yara (uma deusa das águas) que podem querer prendê-la numa carioca (casa de homem branco).

Nessa hora Xauim subiu rápido na árvore, catou uma carambola do pé e jogou em Cuíca, que se escondeu em um buraco, só que o buraco estava com água e ficou cheia de lama. O lobo e o Xauim riram muito da Cuíca quando ela diz que vai embora, com vergonha.

A noite terminava e o Sol já aparecia no Mourão quando Xauim lembra ao lobo que não há impossibilidade de um amor entre duas espécies diferentes, mas que todo amor é uma espécie de possibilidade da diferença.