Passo de Gigante

Faz de conta...









sábado, 19 de dezembro de 2015

Os 3 "s" da Petrobrás

Da crise, a oportunidade:
venderam o pré-sal 
como bilhete premiado,
vã(n)glória da riqueza
   - (s)em trabalho.

Em sociedade hodierna, 
com o petróleo seremos,
no máximo, um Iraque,
vã(n)glória da riqueza
 - (s)em guerra.

Apoiando uma nação
na venda do seu solo, minérios,
água e animais
absteremos do Bras
em detrimento do Petro
vã(n)glória da riqueza
 - (s)em natureza.



Rodolfo Lobato
2015

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Os leões e os medos

“Aqueles leões não emergiram do mato. Eles nasceram do último conflito armado. Repetia-se, agora, a mesma desarrumação de todas as guerras: as pessoas tornaram-se animais e os animais tornaram-se gente. Durante as batalhas, cadáveres foram deixados no campo, nas estradas. Os leões comeram-nos. Naquele preciso momento, os bichos quebraram o tabu: começaram a olhar as pessoas como presas. O cego, enfim, encerrou o longo discurso:

- Já não somos donos, nós os homens. Agora, eles mandam no nosso medo.

Depois discorreu com eloquência e sem interrupção:

- Aconteceu o mesmo no tempo colonial. Os leões fazem-me lembrar dos soldados do exército português. Esses portugueses tanto foram imaginados por nós que se tornaram poderosos. Os portugueses não tinham força para nos vencer. Por isso, fizeram com que as suas vítimas se matassem a si mesmas. E nós, pretos, aprendemos a nos odiar a nós mesmos.

O velho falava como se discursasse, pleno de certeza. Naquele momento, ele era um soldado. Uma imaginária farda cingia-lhe a alma.”


Mia Couto, em "A confissão da leoa"

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Uma sexta-feira 13 de 2015

Lá estava o velho Francisco assistindo o Jornal Nacional quando Willian Bonner, com ar tenso, diz que os ataques terroristas em Paris foram um crime contra a civilização: "Os valores da Democracia e da Liberdade foram ameaçados" - reforça o jornalista. Nesse momento, o velho professor de português e filosofia da cidade de Mariana (MG) corre imediatamente até uma livraria e compra um livro. Esse livro é embrulhado numa sacola plástica contra a lama, a água e o tempo, e é guardado em uma caixa para ser entregue através do seu filho. Com o seguinte bilhete escrito com os dedos tremidos: "Filho, estou no final da minha vida,  entregue esse livro para o meu neto que vai nascer. Isso para que ele saiba que entre nós, há algum tempo, também tínhamos na civilização a Fraternidade".

domingo, 18 de outubro de 2015

Chopin

Confuso e rápido
Loucura da pressa
Embriagado fico
Numa felicidade cega

Vejo o fluxo do rio que passa
E de todos que somos, essa massa,
Agarramos, amamos o que se vai

Tristeza, melancolia futura
De um passado que é
Mais do que um instante qualquer...
Desenho, retrato ou pintura.

De repente o movimento lento, que ira!
Não sei pra onde olhar
Mas como numa mágica
Surge do nada uma trilha.

De pontos sozinhos
Compostos em harmonia
Saem o voltam seguidos
De grande sinfonia.

Rodolfo Lobato, 2003

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Diante da Lei

Franz Kafka

 Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde.

- É possível - diz o porteiro. - Mas agora não.
 Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:
- Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.

 O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:

- Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.

 Durante todos esses anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião.  Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:

- O que é que você ainda quer saber? - pergunta o porteiro. - Você é insaciável.
- Todos aspiram à lei - diz o homem. - Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?
 O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra:
- Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só para você. Agora eu vou embora e fecho-a.

domingo, 23 de agosto de 2015

A alimentação em Utopia

“Os campos são tão bem repartidos entre as cidades que cada uma tem pelo menos doze milhas de terras a cultivar a seu redor, às vezes mais, se a distância é maior entre ela e a vizinha.” Página 69

“Cada casa tem duas portas, a da frente dando para a rua, a de trás para o jardim. Elas se abrem a um toque de mão, e se fecham do mesmo modo, deixando entrar quem quiser. Ali não há nada que constitua um domínio privado. Com efeito, essas casas mudam de moradores, por sorteio, a cada dez anos. Os utopianos conservam admiravelmente seus jardins, onde cultivam videiras, frutas, legumes e flores...” Página 73

“Uma única atividade é comum a todos, homens e mulheres: a agricultura, que ninguém pode ignorar. Todos aprendem desde a infância, por um ensinamento dado na escola e pela prática, nos campos vizinhos à cidade, aonde os escolares são levados à maneira de recreação. Eles não se limitam a observar; também trabalham, o que para eles é uma boa ginástica.” Página 75

“Aos mercados que acabo de mencionar somam-se centros de abastecimento para onde são levados legumes, futas, pão e também peixes, e todas as partes comestíveis das aves domésticas e dos quadrúpedes. Esses mercados situam-se fora da aglomeração urbana, em locais apropriados onde a podridão e a sujeira podem ser lavadas em agua corrente. É dali que são trazidos os animais mortos e limpos pelas mãos de escravos, pois os utopianos não admitem que seus cidadãos se habituem a esquartejar animais, temendo que nessa tarefa percam aos poucos as qualidades do coração próprias da humanidade. Tampouco toleram que seja levado para a cidade algo impuro ou sujo, ou cuja putrefação envenene o ar e provoque doenças.” Páginas 84-5

“Nas horas determinadas para o almoço e o jantar, todo um grupo de famílias, avisadas por um toque de clarim, se reúne nesses salões. Apenas não atendem a esse chamado os que estão acamados nos hospitais ou em suas casas. [...] Com efeito, embora haja permissão de comer em casa, isso não é feito de bom grado, pois é algo bastante malvisto. E considera-se absurdo preparar com dificuldade uma refeição menos boa quando uma outra, excelente e abundante, está à disposição num salão próximo.” Página 86

“Nesse refeitório, escravos realizam as tarefas mais sujas e fatigantes. A cozinha, o preparo dos alimentos e a ordem da refeição são incumbência exclusiva de mulheres, cada família enviando de cada vez as suas. Três mesas são preparadas, ou mais, conforme o número dos comensais. Os homens ficam ao longo da parede, as mulheres do lado exterior. Se elas forem acometidas de um mal-estar súbito, o que acontece frequentemente durante a gravidez, podem assim levantar-se sem incomodar ninguém e ir juntar-se às amas de leite.” Página 86

“As duas refeições começam por uma leitura moral, breve, para não cansar. A seguir, os mais velhos dão início a conversações decentes que não deixam de ser alegres, sem ocuparem toda a refeição com intermináveis monólogos; eles escutam inclusive os jovens e os incitam propositalmente a falar, a fim de conhecerem o caráter e a inteligência de cada um, graças à liberdade que uma refeição permite.” Página 88

“O almoço é bastante curto, o jantar prolonga-se um pouco mais, pois o primeiro é seguido de um período de trabalho; o segundo conduz apenas ao sono e ao repouso da noite, que eles julgam a melhor maneira de favorecer uma boa digestão. Nenhuma refeição transcorre sem música, e a sobremesa jamais é privada de guloseimas. Perfumes são queimados e espalhados no ar, nada se negligenciando do que possa agradar os comensais. Eles tendem a pensar que nenhum prazer é repreensível, contanto que não cause aborrecimento a ninguém.” Página 88

“Eis como se vive na cidade. Mas no campo, onde as habitações são muito disseminadas, come-se em casa. Nada falta ao abastecimento de uma família rural, pois são elas que fornecem tudo de que se alimentam os citadinos.” Página 88

“...eles garantem seu próprio abastecimento, que só consideram seguro após terem calculado as necessidades de dois anos, levando em conta a incerteza da próxima colheita. Feito isso, exportam para o estrangeiro uma grande parte de seus excedentes: cereais, mel, lã, madeira, tecidos escarlate e púrpura, peles, cera, banha, couro e também gado. Um sétimo de todas essas mercadorias é dada de presente aos pobres do país adquirente; o resto é vendido a um preço razoável. O comércio lhes permite fazer entrar em Utopia os produtos que faltam – pouco coisa além do ferro – e, além disso, uma grande quantidade de ouro e prata.” Página 90

“Eles próprios não fazem uso algum da moeda. Conservam-na para um acontecimento que pode sobrevir, mas que pode também jamais ocorrer. Esse ouro e essa prata eles as conservam sem atribuir-lhes mais valor que o que comporta sua natureza própria. E quem não percebe que esta é bem inferior à do ferro, sem o qual os mortais não poderiam viver, como também não poderiam passar sem a água e o fogo, enquanto, ao contrário, a natureza não associou ao ouro e à prata nenhuma propriedade que nos seria preciosa, se a tolice dos homens não valorizasse o que é raro? A natureza, como a mais generosa das mães, pôs a nosso alcance imediato o que ela nos deu de melhor, o ar, a água, a própria terra; ao mesmo tempo, afasta de nós as coisas vãs e inúteis.”  Página 92

A UTOPIA de TOMÁS MORUS
Porto Alegre: L&PM, 2011

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Agricultura e Regimes Alimentares

AGRICULTURE AND THE STATE SYSTEM
The rise and decline of national agricultures, 1870 to the present

Harriet Friedmann and Philip McMichael
Sociologia Ruralis 1989, Vol XXIX-2

Artigo que pretende investigar o papel da agricultura no desenvolvimento do capitalismo mundial:
"At present, when food security and foreign debt command policy attention, it is useful to examine the assumptions behind attempts to build up national agricultures in Third World countries." p93

"Two basic processes are at work: the development of a system of independent, liberal national states, and the industrialization of agriculture and food." p94

"We conceptualize nineteenth-century nation-state formation as a systemic process, in which settler states played a key role. Exporting temperate crops competitive with European agriculture, the independent settler states: (i) provisioned the growing European proletariat with wage-foods, and (ii) became the basis of a new type of trade within a new international order, alongside the colonial relation whereby metropoles directly administered (complementary) tropical export agriculture. The new international order encouraged a movement towards not only comparative advantage, as an apparently automatic mechanism of specialization. [...] The US exemplified the national economy balanced between agriculture and industry." p94

"We conclude that the growing power of capital to organize and reorganize agriculture undercuts state policies directing agriculture to national ends, such as food security, articulated development and the preservation of rural/peasant communities." p95

"We organize our argument around the concept of the food regime [...]. It allows us to characterize late nineteenth century capitalism as an extensive form constructing capitalist production relations through the quantitative growth of wage labour; and mid-twentieth century capitalism as an intensive form reconstructing consumption relations as part of the process of accumulation [...]. In the first food regime settler agricultural exports produced by family labour underwrote the developing wage-relation and attendant growth of food markets. [...] In the second food regime, this relationship was extend to the post-colonial world. [...] As a component of global political-economic dynamics, each food regime embodied two opposing movements - in the first, culmination of the colonial organization of precapitalist regions and the rise of the nation-state system; in the second, completion of the state system through decolonization and its simultaneous weakening through the transnational restructuring of agricultural sectors by agro-food capitals." p 95

"The link between the two food regimes is the US..." p 95

THE FIRST FOOD REGIME

"The first food regime was centred on European imports of wheat and meat from the settler states between 1870 and 1914. In retour, settler states imported European manufactured goods, labour, and capital..." p 95-6

"The first food regime was, therefore, a key to the creation of a system of national economies governed by independent states." p96

THE CULMINATION OF COLONIALISM

"The culmination of colonialism came hard on the heels of the opposite movement, in wich settler colonies - Canada, Australia, New Zealand - gained political independence and with the capacity to enact tariffs and other controls over their political-economic frontiers, indeed to raise capital to expand those frontiers." p97

"Late nineteenth century colonialism expand the supply of tropical products to metropolitan economies." p97

"In short, late nineteenth-century colonialism, which reproduced direct metropolitan political control, simultaneously expressed new dynamics of the emerging nation-state system. The very scale of world partition demonstrated the competitive capacities of a reconstituted industrial state system with greater military and financial powers. In this way the opposing movements of the nineteenth century - the culmination of colonialism, and the emergence of the nation-state system - mutually conditioned one another." p98

THE RISE OF THE NATION-STATE SYSTEM

"European imports of wheat and meat from the settler states, and exports of capital and people to organize production, were the core of the first food regime, geared to industrial capitalism. The settler family farm, which represented a new form of specialized commercial agriculture (Friedmann 1978) was itself industrial. Settler agriculture provided demand for emerging national industries in the settler states [...]. This was a new form of capitalist development: whereas the European metropoles had fostered proto-industry and colonial trade through mercantalist policies, the settler states at once defined national territories and established fully commercial - and integrated - sectors of production." p 100

"This reconstitution of the world economy as an international economy altered the content, if not the form, of the colonial division of labour and anticipated its long-term decline." p 100

"The major link in the reconstitution of the world economy was between goods - and regions - of wage labour and settler agriculture. Despite different weights of industry and agriculture, of domestic and export production, all major national economies now produced (or could produce) the same products. Wage labour expanded through the cheap wagefoods and raw materials flowing between nations within a unified, price-regulated world market. This facilitated the relocation of commercial agriculture from Europe to extensive settler frontiers." p101

"The resulting competition of cheaper grains from settler regions induced an agriculture crisis in Europe, particularly in large-scale grain [...] economic nationalism expressed world market forces. [...] Across the oceans, settler states introduced direct regulation of agricultural markets to help farmers cope with the collapse of international trade. Price supports and other market controls would eventually be adopted in both Europe and the new nations formed through decolonization." p 101-2

Três novas relações entre a agricultura e a indústria:

"1. Complementary products based on differences in climate and social organization gave way to competitive products traded according to Ricardian comparative advantage. [...] This anchored the first international division of labour and underpinned a new phase of industrial development." p 102

"2. Market links to industry clearly demarcated agriculture as a capitalist economic sector. [...] Chemical and mechanical inputs increasingly replaced the biological inputs produced internal to the farm in mixed farming. [...] Yet this agriculture was industrial mainly in its external links, purchasing inputs from industry and providing raw materials to industries doing minimal processing (flour mills, meat preservation). The clear boundaries between agriculture and industry would be undercut in the second food regime." p 102

"3. The complementarity between commercial sectors of industry and agriculture, wich originated in international trade and remained dependent on it, was paradoxically internalized within nationally organized economies. The resulting home market for domestic industrial capital - the agro-industrial complex - represented in social thought the model of national economy." pg 102

THE SECOND FOOD REGIME

"The second food regime is a rather more complex and contradictory set of relations of production and consumption rooted in unusually strong state protection and the organization of the world economy under US hegemony. [...] The present anarchy in world markets reflects a fundamental transformation of old patterns of international specialization. As in the earlier regime, there have been two opposing movements of the state system and international division of labour:

1. Extension of the state system to former colonies. Decolonization [...] destroyed the political basis for colonial specialization within protected trading blocs centered on the metropole. Instead, integration into the second food regime proceeded on two completely new fronts: a) importation of wheat from the old settler colonies, especially the US, at the expense of domestic food production, and b) decline of markets for tropical exports, notably sugar and vegetable oils, through import substitution by advanced capitalist countries.

2. Transnational restructuring of agricultural sectors by agro-food capitals. [...] Agriculture became an industrial sector as food increasingly shifted from final use to manufactured (even durable) products." pg 103

EXTENSION OF THE STATE SYSTEM

"The first movement, decolonization, broke up the colonial trading blocs, with their politically constructed specialization, and completed the state system. Yet as new states were created, their first economic goal, like that of their earliest predecessors in Europe, was to establish a national economy based on commodity relations as an effective base for political control and taxation." p 104

"...only the US had the ability to act on its interest in selling wheat in the Third World. Its economic power was expressed through the dollar as world currancy. This underpinned the main mechanism for redirecting wheat trade towards Third World countries despite their lack of dollars, concessional sales in American-held non-convertible national currencies..." p104

"Thus proletarianization in the Third World far from depending on national food markets occurred through imported American wheat, at the expense of domestic agricultural production. Cheap American grain led to the displacement rather than the commodification of traditional foods..." p 104

TRANSNATIONAL RESTRUCTURING OF SECTORS

"The completion of the state system occurred simultaneously with the transnational restructuring of agricultural sectors. The sectoral boundaries started to blur through i) intensification of agricultural specialization [...] and integration of specific crops and livestock into agro-food chains dominated at both ends by increasingly large industrial capitals; and ii) a shift in agricultural products from final use to industrual inputs fo manufactured foods." p 105

"Restructuring mainly occurred through two large complexes: the intensive meat complex and the durable foods complex." p 105

“The durable foods complex changed food from a local...” p106

“Like the automobile, meat was a key product in the mass production and consumption of standardized products that provided the central dynamic of post-war capitalismo in advanced capitalista economies; and like petroleum [...] soy was a critical input to mass production.” P 106

“With the Common Agricultural Policy, France, like the resto f Europe, was opened to American soy. The US accepted European protection against wheat in return for excluding soy from duties in successive GATT rounds [...]. American corporations, already well established domestically during the War, established subsidiaries with processing plants in Europe. The corporations of the meat/soy/maize complex later extended the transnational integration of the most dynamic agricultural production to certain peripheral economies.” P 107

“Turning to the durable foods complex, the shift from farm produce to manufactured foods in the centre during the 1950s and 1960s reflected the larger trend to mass consumption and mass production of standardized products. Consumption of frozen foods in the US, for instance, more than tripled between 1950 and 1975 [...] For farmers all over the world this shift to manufactured foods meant a transformation of markets from either local markets or na anonymous mass of distant consumers, to na oligopolistic relation to corporate buyers of agricultural raw materials.” P 108

“The key to understanding this renationalization of domestic agriculture in the core countries is substitution of tropical sugar and oils by generic sweeteners and fats. US per capita consumption of sugar actually declined by one-third between 1970 and 1983.” P 109

“The key to oils is soya, which integrates the double movement of import substitution [...] and transnational integration of sectors. Soy oil largely displaced other vegetable oils, both temperate and tropical, as a function of its joint production with meal cakes for animal feeds. The shift to soy [...] reflect American power.” P109

“soy was at the centre of the postwar transformation of agriculture, and with it major shifts in the international division of labour. Mosto f the story applies to meat, but its origins lie in the combined properties of processed soybeans as vegetable oil [...] and na excelente source of protein in animal feed. Here the advantage, after considerable manoeuvring, aliance formation, and lobbying by agro-food industries in the 1930’s, created ideal conditions foi soy oil relative to existing oilseeds.” P110

“We have argued that the US modelo f capitalista development constitutes the link between the two regimes that promoted the nation state system, the industrialization of agriculture, and the growing tension between these processes.” P 111

“As the hegemonic power, American capitalismo became the model for post-war theories of development applied to the Third World.” P 111

“The overriding shift is from state to capital as the dominant structuring force.” P112

“The restructuring, not only shifts sectoral balances whithin nations, but also disaggregates large sectors, such as agriculture, into minute divisions and reintegrates each division into a complex web of inputs and outputs to increasingly complex and differentiated food products. Not only is agriculture no longer a coherent sector, but even food is not.” P112


“The food and agriculture componente took the formo f a proposal, defeated at a meeting in Washington in 1947, for a World Food Board that would have given considerable planning and enforcement powers to the Food and Agriculture Organization.” P113

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Centenário do apóstolo da Justiça do Trabalho

Como diria o jurista Edmo Lutterbach, biógrafo de Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes (GMBM), já na juventude podíamos identificar um líder em que palavra e pena se direcionaram no objetivo de conciliar “a lei divina na vida da cidade terrena” (Gaudiam et Spes). Fez-se do tempo a prova de que a defesa da Igreja contra os discursos anti-cristãos fosse, hoje, reconhecida para além do catolicismo, como uma defesa da liberdade religiosa. Ou seja, ao defender o cristianismo, GMBM conseguiu defender, também, todas as religiões que estão presentes entre as diferentes expressões do sagrado e que não podem se resumir à "sacralidade" do mercado e do dinheiro. Expressão e síntese do apostolado leigo, do respeito à hierarquia eclesiástica, a moral cristã fez-se visível na grandeza da família, seja através de seus 15 filhos, ou da composição de uma genealogia em que não podemos visualizar apenas a história particular dos Bezerra de Menezes, mas a própria história da formação do Brasil. Apenas contemplando a riqueza de princípios e valores de GMBM faz-se possível compreender o surgimento do apóstolo social, tecendo em compreensão cristã os problemas sociais brasileiros e, principalmente, criando formas à seguridade social e à proteção social dos trabalhadores diante das assimetrias de poder entre o capital e o trabalho. Nesse sentido, a “Doutrina Social e o Direito do Trabalho” são inseparáveis da “A Vida Substancial do Espírito”, tanto quanto a luta pela justiça e defesa dos pobres não pode denegrir a verdade religiosa e a pureza da fé. Esferas e dimensões de uma vida que, ao lado do poeta, do educador em moral e civismo, do historiador e sociólogo, obrigam-nos a tratar seu acervo como um todo, com o risco de não compreender as razões de um jurista ocupar desde o cargo de primeiro presidente do Tribunal Superior Trabalho, da Academia Fluminense de Letras, do Conselho Federal de Cultura, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de integrar a Ordem de Rio Branco, de professor da Universidade Federal Fluminense e, pelo conjunto da sua obra, receber do Papa Paulo VI a Comenda de São Gregório Magno. Em resumo, o autor do Decreto Lei 9.797/46, que deu forma à atual Justiça do Trabalho, e que tem, hoje, seu acervo doado para guarda e proteção perpétua do Tribunal Superior do Trabalho, foi um intelectual singular, o qual podemos tentar interpretá-lo apenas quando o contemplamos como um todo. E, assim, a família com orgulho oferece aos trabalhadores e pesquisadores brasileiros o acervo acumulado por gerações em nome da crença de que é possível sim construirmos um país que seja guiado pelo amor ao próximo.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Artérias Latinas

Triste dia,
Eduardo Galeano morreu.
Não era só um escritor,
era como um avô meu.
Nas tintas,
desencontros, medos,
violência, feridas.
Na América Latina,
encontros, consciências,
esperanças, vidas.
E hoje, em seu barco,
não precisarás de moeda,
Leva a paz, e com ela
- descansará mais.

Divitae enim apud spientem virum in servitute sunt, apud stultum in imperio
Seneca
"as riquezas estão a serviço do sábio, mas comandam o estúpido"


Rodolfo Lobato
Rio de Janeiro, 14 de abril de 2015

terça-feira, 14 de abril de 2015

O PROBLEMA DOS LATIFUNDIOS

Por Oliveira Vianna
Publicado em 10.01.1939*

Tenho sobre minha mesa um memorial, que do Norte me envia o seu autor, aliás anonymo. Nelle são debatidas duas questões da maior actualidade, porque se prendem, sem duvida, ao problema da nossa "marcha para o Oéste": uma é a dos latifundios, que o memoralista condemna; outra, a da exploração collectiva da terra, que concatena e applaude.

Não partilho da crença do autor e de muita gente de que é preciso acabarmos com os latifundios existentes em nosso paiz, nem creio que haja vantagem em realizarmos, á maneira mexicana, uma transformação brusca neste sentido. Na verdade, os latifundios se acabarão por si mesmos; pela acção lenta, mas segura, da lei das successões; pela  força mesma da nossa evolução social; pela elevação progressiva do indice de densidade demographica com o augmento inevitavel e incoercivel da nossa população. Os dados estatisticos, relativos á evolução da pequena propriedade em São Paulo, recentemente publicados, demonstram, aliás, cabalmente, que não passa de lenda a preponderancia do regimen latifundiario em paiz. O mesmo acontece com os dados ultimamente colligidos e divulgados sobre a distribuição da propriedade rural em Pernambuco.

Os latifundios existem, sem duvida; mas, por força mesma das condições geographicas e domographicas em que vive o nosso povo. Nascem da falta de gente - e não da injusta apropriação do solo por uma oligarchia privilegiada e odiosa: entre nós, o latifundiario pede o povoador, o colono; não o repelle.

O movimento contra os latifundios privados, esboçado em nosso meio desde os começos da Revolução de 30, carece de fundamento na nossa realidade; tem um caracter meramente reflexo - de imitação. É uma reproducção do que se está fazendo em outros povos por motivos, aliás, muito differentes dos nossos: ou por necessidade de dar à plebe rural, faminta e espoliada, uma satisfação á sua revolta, como vemos na Europa (v. Perroux - La reforme agraire en Europe, 1935); ou por simples ideologias extremistas, nascidas de antagonismos raciaes, como no Mexico (v. Marchand - L'effort démocratique du Mexico, 1938).

No nosso paiz não temos nada disto: nem ha falta de terras, nem ha antagonismos raciaes. Muito ao contrario disto, é a sombra do nosso velho regimen patriarchal, ainda dominante no interior dos nossos campos e sertões, que a massa inferior da nossa população rural vive, abrigada, assistida, protegida. O Brasil evoluiu e progrediu á sombra das grandes organizações latifundiarias, sob as quaes as classes que trabalham a terra construiram, e continuam a construir, a nossa riqueza rural. Se inconvenientes podem ter havido dessas organizações latifundiarias elles foram eliminados pela acção desintegradora, a que a lei das partilhas tem sujeitado, desde os primeiros seculos, as [PARTE ILEGÍVEL DO JORNAL] É preferivel, pois, deixarmos que a propriedade territorial em nosso paiz continue, sem modificações violentas, a obedecer o rythmo da sua evolução histórica.

Isto não impede que procuremos desenvolver a pequena propriedade. Ella é essencial á constituição de uma classe média rural, lacuna historica da nossa estructura de povo, que tantos reflexos tem tido sobre a nossa vida social e politica, principalmente politica, como deixei demonstrado em Populações Meridionaes. Nada nos impede que a constituamos pelo retalhamento das nossas terras publicas, dos vastos latifundios pertencentes ao Estado; pela desapropriação quando desaproveitadas ou mal aproveitadas, das terras marginaes ás linhas ferroviarias ou vias fluviaes; ou ainda pela desapropriação dos latifundios privados, mesmo fora das zonas marginaes das estradas de ferro e vias fluviais, todas as vezes que se verificar ser mais benefico exploral-os pelo systema da pequena propriedade ou da pequena cultura.

No fundo, o que temos a fazer, se quizermos attender a suggestão do memorial, é distender o campo de applicação das nossas leis de colonização, até agora muito limitado, por assim dizer quasi que restricto ás regiões do sul, de modo a contemplar tambem as vastas regiões desertas ou abandonadas das nossas regiões septentrionaes. Nesta distenção do nosso programma colonizador, bem poderíamos aproveitar a opportunidade para, intensificando a nossa politica de colonização e povoamento, realizar o aproveitamento systematico do elemento nacional, evidentemente um tanto desprezado nesta obra de fixação do homem à terra. Tendo grandes massas de "desplantados" e de "infixos", especialmente nas nossas regiões do Norte, onde o rythmo das seccas desloca massas tão consideraveis de população humana, espalhando-as por todos os recantos do paiz, nada é mais razoavel do que procurarmos aproveitar estes elementos nacionaes, assim dispersos, para a constituição de nucleos coloniaes, á semelhança do que fazemos com os colonos estrangeiros, que aqui abrigamos e amparamos generosamente.

O memorial, que estou comentando, trata tambem de um outro assumpto não menos interessante e que exige algumas considerações. É aquelle em que o autor preconiza a organização destes nucleos coloniaes sobre bases de um regimen cooperativo. Pelo plano do memorial, em vez de dividir-se a terra em lotes, para distribuil-os com os colonos sob um regimen de propriedade individual, os colonos explorariam os terrenos dos nucleos collectivamente e sob um regimen cooperativista. Qualquer coisa que recorda o systema das kolkhoses russas...

Não diz o autor qual a fórma de organização cooperativa que desejaria fosse adoptada. Será a dos famosos "consorcios syndicaes-cooperativistas", creados, não ha muito, pelo Ministerio da Agricultura? ou será o systema das affittanze colletive, adoptados pelos agricultores italianos na exploração de alguns dos seus grandes dominios agricolas?

O que a experiencia tem monstrado, na generalidade dos paizes, é que o systema coóperativo integral não dá grandes resultados. O lavrador, quando é, ao mesmo tempo, pequeno proprietario, quer certa autonomia na direcção do seu trabalho e na disposição dos productos delle - e o regimen cooperativo puro não se mostra muito adequado a satisfazer esta necessidade de autonomia e independencia, propria ao pequenos proprietario agricola. Como observa Gide, os pequenos proprietarios "não se sentirão muito dispostos a pôr em commum nem os seus cavallos, os seus bois, as suas charruas, as suas machinas agricolas e os seus rebanhos e adubos, nem os seus braços e seus capitaes, para um exploração, cujos lucros se deveriam partilhar proporcionalmente á superficie das suas terras, ou ao tamanho dos seus rebanhos, ou ao vulto dos seus capitaes".

Nos nossos nucleos agricolas, de typo cooperativista, como o suggerido pelo memorial, esta incompatibilidade do regimen cooperativo com a psychologia especifica do pequeno proprietario seria tanto mais accentuada quanto maior fosse o numero de elementos nacionaes que entrassem na formação destes nucleos. O pequeno proprietario brasileiro é, mais do que nenhum outro, individualista, cioso da sua autonomia; certamente, repugnaria á sua indole esta subordinação da sua actividade, do seu trabalho e dos seus lucros a um regimen de partilha cooperativa. Mesmo os colonos europeus do Occidente - taes como os allemães, os portuguezes, os hespanhoes, etc. - não acceitariam facilmente um regimen de communidade cooperativa integral. Só os colonos de raça slava, como os russos, os polacos, os tchecos, os yugoslavos, os balkanicos em geral, só estes se subordinariam a um regimen de cooperação rigorosa - e isto porque, dada a sua formação social, não poderiam deixar de acceitar um regimen por elles praticado, tradicionalmente, nos seus meios de origem.

É verdade que se poderia citar, em contrario, o exemplo dos agricultores italianos, isto é, o que os italianos estão fazendo na sua propria terra com as suas explorações agricolas de typo collectivo. Mas, a verdade é que os contadini italianos não differem, neste ponto, dos seus irmãos do occidente europeu: apezar de terem sido os grandes realizadores de um dos mais bellos systemas de cooperativismo do mundo - o das affittanze collettive - não conseguiram, comtudo, ainda extrair da sua iniciativa os grandes frutos, que esperavam. O cooperativismo das affitanze não lhes tem sabido muito bem á sua indole individualista: é pelo menos o que nos diz Ludovico Occhini, estudando os resultados da reforma agraria operada pelo regimen fascista. Para elle, o cooperativismo agrario só se tem, realmente, revelado fecundo e efficiente ali sob a fórma de cooperativas de venda, de acquisições de machinas, ou de credito.

* Pedaço de jornal recortado, pertencente ao acervo do Ministro Geraldo Bezerra de Menezes. No mesmo jornal continha da data da publicação anotada de 10.01.1939.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A mão e o vento por Pessoa


 FOI UM MOMENTO

Fernando Pessoa

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste
Senti ou não?

Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão leve!...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa
Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?

Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.