Passo de Gigante

Faz de conta...









sexta-feira, 18 de julho de 2014

O tempo e a solidariedade

"o contrário do tempo não é a eternidade. É o amor. Quem ama já nada espera, senão amar. Ao irromper no tempo histórico como presença viva de Deus-Amor, Jesus nos convoca a nada mais esperar. "Esgotou-se o tempo" (Mc 1,15), como quem proclama: "Já não há o que aguardar. Resta amar". E "se o amor faz passar o tempo e o tempo faz passar o amor", como diz o provérbio italiano, nada mais irreconciliável com o tempo do que o amor. Bem o sabem os amantes, que gostariam de parar no infinito os ponteiros de seus relógios.

[...]

O fruto do amor é a vida. É por vivermos num sistema unipolar, o capitalismo globalizado, que nega a vida de milhões de pessoas para assegurar o requinte de uns poucos, é que somos convocados a fazer de nossas vidas alimentos para que outros tenham vida. A solidariedade nasce da gratuidade e, portanto, da espiritualidade. Podemos nos mover em direção aos outros movidos por ambições de poder, busca vaidosa de reconhecimento e outros impulsos egocêntricos. O desafio é como criar uma cultura da solidariedade capaz de nos impelir misticamente na direção dos outros, sobretudo dos excluídos, privados involuntária e injustamente dos bens essenciais à sobrevivência biológica e à dignidade humana."

Frei Betto

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Memória - Geraldo Bezerra de Menezes



Confraternização Academica

         É bem uma quadra de verdadeiro Renascimento que óra oferece o Brasil. A mocidade estudiosa, promovendo, incentivada pelos innumeros Centros e Directórios das nossas escolas superiores, o intercambio e a approximação de seus representantes tem dado provas evidentes de sublimes aspirações baseadas todas, unicamente, no desejo de possuir uma pátria melhor, mais energica e capaz de maiores feitos.
            Iniciativas de tamanho vulto, que visam idéas tão bellas, traduzem o espirito de classe e merecem o apoio de todos nós, são dignas dos maiores louvores e dos mais sinceros applausos.
            E foi neste ambiente que há pouco recebemos as embaixadas gaúchas e pernambucanas chefiadas por eminentes mestres, as quaes, partindo de plagas distantes, aqui estiveram no desempenho de tão elevada e nobre missão. A mocidade brasileira, então representada por uma luzida pleiade de estudantes (1) tres Estados, numa eloquente manifestação de fraternidade e uma perfeita communhão de ideaes, augurava para o futuro das relações mais estreitas e solidas entre os seus componentes.
            Agora, são os academicos fluminenses que, em retribuição à visita dos dignos collegas, estão de malas promptas prestes a zarpar para Recife numa jornada de confraternização. A frente da comitiva, representando o corpo docente da Faculdade de Direito de Nictheroy, seguirão o jovem e brilhante professor dr. Telles Barbosa, cujos esforços, em pról dessa realização, têm sido incalculaveis e o dr. Oscar Przwodowski, tambem figura destacada da Congregação.
            Baseado nos principios de solidariedade e demonstrando mais uma vez o seu alto espirito de equidade, foi que o interventor do Estado do Rio de Janeiro, Comte. Ary Parreiras se promptificou a auxiliar tanto quanto possível aos jovens estudantes fluminenses na execução do magno emprehendimento.
            Visto como essa iniciativa ecoasse favoravelmente nos meios officiaes, cumpre continuar nessa obra de congraçamento universitario, preparando a juventude e estimulando-a nos estudos, para que as novas gerações se tornem condignos filhos da patria estremecida e mais tarde lhe saibam guiar os gloriosos destinos.
            Comprehenda, pois, a mocidade o alto alcance do papel que representa no Brasil.

Geraldo Bezerra de Menezes

Publicado em“O Estado”


Niterói, 6 de agosto de 1933

Memória - Geraldo Bezerra de Menezes



Regencia Verbal

    
É o uso, dizia Horacio, na sua Arte Poetica, a lei e a regra de falar: Jus et norma loquendi.

Atravessando idades, este ensinamento vem sendo respeitado pela maioria dos que se consagram aos estudos phililogicos.


A grammatica, não ha negar, só corresponderá às suas verdadeiras finalidades se realmente for “a coodificação dos factos da lingua”.


O proprio Ruy, o estylista impar, affirmou alhures que a grammatica não é a lingua.


Há regras, diz elle, na Réplica, que, interpretadas com rigor, só servem para gerar incertezas no espirito de quem estuda.


Para Camillo Castello Branco, o povo é o melhor dos grammaticos. Comtudo, a outro objectivo não visaram taes assêrtos senão o de mostrar que em matéria de linguagem não é dado que “a theoria vá para um lado e a pratica para outro”.

Quizessemos nós recolher opiniões sobre o assumpto e, certo, não nos satisfariamos com os limites estreitos de um artigo. Há, entanto, os que proclamam, horrorizados com a complexidade de nórmas tão á miude dictadas pelos grammaticos, a inutilidade dos compendios linguisticos para que se consiga redigir um prosa exacta...

Collocamo-nos, porém, ao lado de João Ribeiro – este a quem Humberto de Campos, num impeto incontido de admiração, chamou santo – quando disse que é dever de todos que falam e escrevem zelar pela pureza do idioma; muito melhor é o exaggero do que a criminosa negligencia.

Assim o é, effectivamente.

Pelo exaggero, poder-se-á, talvez, chegar às profundezas da fórma, e a fórma, disse Emile Zola, basta para immortalizar um livro. Conhecida é aquella passagem de um critico allemão ao affirmar que não ha grande merito em escrever bem o francez, pois a lingua, conclue, já escreve pelo escriptor.

Diverso, entretanto, o aspecto que nos offerece a lingua portugueza... Dando ouvido ao ensinamento dos mestres, “graças à comparação entre os classicos e à illustração dos exemplos, conseguiu um espirito erudito comprehender e estudar o problema da regencia verbal.

 A explicação que, via de regras nos dá das incertezas tão comuns na materia, não obstante estudos incisivos e penetrantes observações, “alcança um grau de clareza que torna o profundo superficial”.

Pela acolhida que teve o 1ª. Volume de Regência Verbal, acaba de sahir a sua 2ª. Edição, corrigida e augmentada. Impunha-se, de ha muito, a sua publicação. Ao menos, como obra de consulta. Arthur de Almeida Torres, collega illustre da Faculdade de Direito de Nictheroy, e membro destacado do corpo docente do collegio Pedro II da Capital da Republica, é o seu autor. Felizmente, não pretende elle em seu livro “reter nas algemas de leis ficticias e no carcere de principios estáticos o surto evolutivo das linguas! ...

 Evóca o exemplo dos clássicos, sem fechar os olhos à realidade do presente. D’elle – victorioso em plena mocidade – já se disse não ser uma esperança bruxoleante, mas uma realidade confortadora. Laudelino Freire, no parecer emittido sobre o livro diz não conhecer em toda nossa literatura philologica trabalho nem mais completo nem mais util, e que, no criterio, na meticulosidade e _______ [alguma palavra que termina com “certo, o tempo apagou], exceda a do jovem ______ [palavra que começa com “ope”, também apagada] e erudito professor.

Esforço notavel o de Arthur de Almeida Torres escrevendo Regencia Verbal, por isso que até 1931, época em que foi editada a 1ª. Edição, não existia sobre o assumpto livro algum publicado no Brasil, a não ser o trabalho de Laudelino Freire intitulado Verbos Portugueses. Os grammaticos, embora estejam sempre em foco as questões verbaes, são falhos neste particular.

Citado no prefacio pelo autor, Adolpho Coelho affirma, falando da dificuldade da empresa, que ella não pode ser producto de um só homem, deve ser uma obra academica auxiliada pelo Estado, quando não haja outros meios. E por que, confiante em suas forças, se haja atirado com energia e decisão, à feitura da obra é hoje Arthur de Almeida Torres não só um estimulo, senão tambem um exemplo aos que se iniciam.

Tenacidade, prudencia, sabedoria, foram-lhe as armas de combate nesta lucta edificante pela crystallização de um ideal. Disse o jovem professor que daria por bem compensado o esforço dispendido si delle alguem pudesse tirar algum proveito em beneficio da formosa lingua:

“Em que da voz materna ouvi:
Meu filho!
E em que Camões chorou no exilio
Amargo
O genio sem ventura e o amor sem
Brilho!”
             
Felizmente, estão sendo comprehendidos os seus elevados propositos. Beneficios incalculaveis está o seu livro prestando “à lingua que por sua suavidade causará inveja a Cervantes”.
             
Mesmo em não se tratando de uma critica, sentimo-nos receiosos pela ousadia dessas linhas. Por seu intermedio, desejamos homenagear não apenas um collega culto e erudito, mas uma figura que, pelos conhecimentos linguisticos, se impoz à admiração dos doutos. Ha sempre, como diria o elegante Aloysio de Castro, o natyral receio de que as nossas palavras sejam uma dissonancia sobre tantas harmonias...

Geraldo Bezerra de Menezes

Artigo Publicado em:
“O Estado”
Niterói, 27 de outubro de 1936

“O Gladio”
órgão do Centro Acadêmico Evaristo da Veiga, da Fac. de Direito de Niterói,
agosto de 1936