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domingo, 23 de agosto de 2015

A alimentação em Utopia

“Os campos são tão bem repartidos entre as cidades que cada uma tem pelo menos doze milhas de terras a cultivar a seu redor, às vezes mais, se a distância é maior entre ela e a vizinha.” Página 69

“Cada casa tem duas portas, a da frente dando para a rua, a de trás para o jardim. Elas se abrem a um toque de mão, e se fecham do mesmo modo, deixando entrar quem quiser. Ali não há nada que constitua um domínio privado. Com efeito, essas casas mudam de moradores, por sorteio, a cada dez anos. Os utopianos conservam admiravelmente seus jardins, onde cultivam videiras, frutas, legumes e flores...” Página 73

“Uma única atividade é comum a todos, homens e mulheres: a agricultura, que ninguém pode ignorar. Todos aprendem desde a infância, por um ensinamento dado na escola e pela prática, nos campos vizinhos à cidade, aonde os escolares são levados à maneira de recreação. Eles não se limitam a observar; também trabalham, o que para eles é uma boa ginástica.” Página 75

“Aos mercados que acabo de mencionar somam-se centros de abastecimento para onde são levados legumes, futas, pão e também peixes, e todas as partes comestíveis das aves domésticas e dos quadrúpedes. Esses mercados situam-se fora da aglomeração urbana, em locais apropriados onde a podridão e a sujeira podem ser lavadas em agua corrente. É dali que são trazidos os animais mortos e limpos pelas mãos de escravos, pois os utopianos não admitem que seus cidadãos se habituem a esquartejar animais, temendo que nessa tarefa percam aos poucos as qualidades do coração próprias da humanidade. Tampouco toleram que seja levado para a cidade algo impuro ou sujo, ou cuja putrefação envenene o ar e provoque doenças.” Páginas 84-5

“Nas horas determinadas para o almoço e o jantar, todo um grupo de famílias, avisadas por um toque de clarim, se reúne nesses salões. Apenas não atendem a esse chamado os que estão acamados nos hospitais ou em suas casas. [...] Com efeito, embora haja permissão de comer em casa, isso não é feito de bom grado, pois é algo bastante malvisto. E considera-se absurdo preparar com dificuldade uma refeição menos boa quando uma outra, excelente e abundante, está à disposição num salão próximo.” Página 86

“Nesse refeitório, escravos realizam as tarefas mais sujas e fatigantes. A cozinha, o preparo dos alimentos e a ordem da refeição são incumbência exclusiva de mulheres, cada família enviando de cada vez as suas. Três mesas são preparadas, ou mais, conforme o número dos comensais. Os homens ficam ao longo da parede, as mulheres do lado exterior. Se elas forem acometidas de um mal-estar súbito, o que acontece frequentemente durante a gravidez, podem assim levantar-se sem incomodar ninguém e ir juntar-se às amas de leite.” Página 86

“As duas refeições começam por uma leitura moral, breve, para não cansar. A seguir, os mais velhos dão início a conversações decentes que não deixam de ser alegres, sem ocuparem toda a refeição com intermináveis monólogos; eles escutam inclusive os jovens e os incitam propositalmente a falar, a fim de conhecerem o caráter e a inteligência de cada um, graças à liberdade que uma refeição permite.” Página 88

“O almoço é bastante curto, o jantar prolonga-se um pouco mais, pois o primeiro é seguido de um período de trabalho; o segundo conduz apenas ao sono e ao repouso da noite, que eles julgam a melhor maneira de favorecer uma boa digestão. Nenhuma refeição transcorre sem música, e a sobremesa jamais é privada de guloseimas. Perfumes são queimados e espalhados no ar, nada se negligenciando do que possa agradar os comensais. Eles tendem a pensar que nenhum prazer é repreensível, contanto que não cause aborrecimento a ninguém.” Página 88

“Eis como se vive na cidade. Mas no campo, onde as habitações são muito disseminadas, come-se em casa. Nada falta ao abastecimento de uma família rural, pois são elas que fornecem tudo de que se alimentam os citadinos.” Página 88

“...eles garantem seu próprio abastecimento, que só consideram seguro após terem calculado as necessidades de dois anos, levando em conta a incerteza da próxima colheita. Feito isso, exportam para o estrangeiro uma grande parte de seus excedentes: cereais, mel, lã, madeira, tecidos escarlate e púrpura, peles, cera, banha, couro e também gado. Um sétimo de todas essas mercadorias é dada de presente aos pobres do país adquirente; o resto é vendido a um preço razoável. O comércio lhes permite fazer entrar em Utopia os produtos que faltam – pouco coisa além do ferro – e, além disso, uma grande quantidade de ouro e prata.” Página 90

“Eles próprios não fazem uso algum da moeda. Conservam-na para um acontecimento que pode sobrevir, mas que pode também jamais ocorrer. Esse ouro e essa prata eles as conservam sem atribuir-lhes mais valor que o que comporta sua natureza própria. E quem não percebe que esta é bem inferior à do ferro, sem o qual os mortais não poderiam viver, como também não poderiam passar sem a água e o fogo, enquanto, ao contrário, a natureza não associou ao ouro e à prata nenhuma propriedade que nos seria preciosa, se a tolice dos homens não valorizasse o que é raro? A natureza, como a mais generosa das mães, pôs a nosso alcance imediato o que ela nos deu de melhor, o ar, a água, a própria terra; ao mesmo tempo, afasta de nós as coisas vãs e inúteis.”  Página 92

A UTOPIA de TOMÁS MORUS
Porto Alegre: L&PM, 2011

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