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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

CO-GESTÃO E OUTRAS MODALIDADES DE PARTICIPAÇÃO



Manuscrito II do Min. Geraldo Bezerra de Menezes (sem data)

Cargos de direção

Conquanto, a rigor, não se possa falar em co-gestão no plano do direito individual do trabalho, ou seja, da livre contratualidade, são frequentes os casos de antigos empregados admitidos em postos modestos e que atingem, com o correr dos anos, posição de relevo e mando na empresa: gerentes, diretores de sucursais, de departamentos, diretores gerais e outros. O que não impede a nomeação de novos empregados diretamente para essas funções de alto nível. Num e noutro caso, participa o titular do chamado cargo de direção, técnica ou administrativa, de largo poder de coordenação, de disciplina e controle.

O tema, de ressonância sociológica e não apenas econômica e jurídica, vem suscitando questões novas na disciplina trabalhista, entre elas a da função diretiva como profissão e o consequente aparecimento de nova categoria profissional diferenciada, a de dirigentes de empresa, bem assim a distinção e relacionamento entre empresários proprietários e gerentes profissionais, estes de “colaboração imediata” e “responsabilidade direta”, segundo Pergolesi. Lembro sobre o assunto a lúcida monografia de João Antero de Carvalho – Cargos de Direção no Direito do Trabalho, 3ª ed., Rio, 1974. Prima, na bibliografia estrangeira, a contribuição de Ferrucio Pergolesi – Contratto di Dirigenza Aziendale (Enc. Del Dir. 12ª vol.), de grande expressão doutrinária.

A visão do problema sob duplo ângulo também ocorre com a participação nos lucros, em que se distingue a coletiva da individual, esta resultante do contrato de trabalho.

Exemplo pouco significativo de participação

Tipo de participação do pessoal, através de comissões internas, nós o temos no setor de acidentes do trabalho. Segundo o disposto no art. 82 do Decreto-lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944: “Os empregadores, cujo número de empregados seja superior a 100, deverão providenciar a organização, em seu estabelecimento, de comissões internas, com representantes de empregados, para o fim de estimular o interesse pelas questões de prevenção de acidentes, apresentar sugestões quanto á orientação e fiscalização das medidas de proteção ao trabalho, realizar palestras instrutivas, propor a instituição de concursos e prêmios e tomar outras providências tendentes a educar o empregado na prática de prevenir acidentes”.

Naturalmente, a disposição pouco significa no plano da representação do pessoal. Entretanto, em alguns países as comissões de segurança e higiene constituíram, historicamente, o ponto de partida mais extensa colaboração efetiva dos empregados.

Antigos pronunciamentos coletivos em prol da co-gestão

Duas antigas manifestações ocorrem-me de pronto. Tristão de Ataíde, em artigo recentíssimo, publicado no “Jornal do Brasil”, de 14 de março último, a respeito da Co-gestão, declara que o princípio “já constava do programa da Liga Eleitoral Católica de 1933”. Por outro lado, o Segundo Congresso Brasileiro de Direito Social, realizado em 1946, na capital de São Paulo, promovido pelo Instituto de Direito Social, à frente o famoso Professor Cezarino Júnior, aprovou recomendação, reconhecendo que “a participação dos empregados na gestão da empresa é um ideal a ser atingido por etapas, subordinando-se a sua efetividade à preparação dos trabalhadores e à sua gradativa integração na administração da empresa”. E indicou “os conselhos de empresa como meio eficiente para chegar gradativamente a este ideal”.

Tentativas, de ordem legal, de criação das comissões de empresa.

No projeto de lei regulamentar da sindicalização, apresentado ao Congresso em 1948 pelo Deputado João Mangabeira, cogitou-se “dos delegados e das comissões de empregados (Projeto nº 1.267 – D, de 1948)”.

No ante-projeto do Código de Trabalho do preeminente Professor Evaristo de Morais Filho, no título da Organização da Empresa, há um capítulo dedicado aos respectivos conselhos.

Velhos motivos de desconfiança contra os chamados comitês de empresa

Entre nós, pesava a suspeita de que tais órgãos – postos com o advento dos governos comunistas de Kerenski e Lenine a serviço da anarquia revolucionária – perturbassem as boas relações entre empregados e empregadores. Posteriormente, na própria Rússia, os sindicatos se insurgiram contra os comitês, julgando-os capazes de lhes usurpar prerrogativas e enfraquecer a luta de classes.

Em numerosos sistemas legislativos, a criação da comissão interna não teve outro objetivo senão a harmonia das relações entre trabalhadores e empresas. São tidos como instrumento válido e construtivo da paz social.

Crítica ao texto constitucional brasileiro

No livro O Direito do Trabalho e a Seguridade Social na Constituição, aduzi comentários ao texto constitucional brasileiro. E posso resumir o meu pensamento.

A Constituição de 1967, no art. 158, nº 5, especificou, no rol dos direitos que tendem à melhoria de sua condição, “a integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com a participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos”.

A Emenda Constitucional nº1, de 1969, alterada a redação, manteve a norma. Leia-se o item V do art. 165: “Integração na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão segundo for estabelecido em lei”.

O preceito foge à boa técnica de elaboração legislativa.

Desnecessário o complemento – “segundo for estabelecido em lei”, substancialmente o mesmo, na redação primitiva e na atual. Sem ele, permaneceria o inciso, em ambos os pontos, lucro e gestão, à mercê da lei vitalizadora, pois o dispositivo não seria self acting. Tanto um quanto outro, por sua natureza e complexidade, não podem prescindir de regulamentação, ao menos para definir critérios. Acrescente-se no tocante à gestão: se o direito tem caráter excepcional, incumbe à lei especificá-lo.

Os autores da Lei Magna excederam-se em preocupações, ao emprestar categoria constitucional à outorga. Não foram sóbrios. Foram tímidos e, além do mais, imprecisos. Com a restrição imposta à gestão, possibilitaram o entendimento de que a participação nos lucros não sofreria limitações.

No teor em que a questão foi colocada, o silêncio seria mais aconselhável, a exemplo do que ocorrera com a Carta de 1946. O preceito, tal como redigido, não traduz uma conquista. Ao contrário. Pode conduzir o legislador a limites inconcebíveis. Omisso o texto não impediria, pois não o coibiu na vigência do Estatuto Supremo de 1946, a regulamentação da matéria, através de lei, em algumas áreas da atividade econômica: sociedades de economia mista e outras. Afinal, o art. 165, deixa claro que os direitos assegurados aos trabalhadores nos seus vinte incisos, não excluem “outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social”.

Urge a lei vitalisadora do preceito constitucional

A afirmação da epígrafe não significa, de modo algum, que defendamos uma legislação a vapor, inconsequente, para preencher o vácuo constitucional. Seríamos ingênuos. Contudo, é irônico dizer que somos apanhados de surpresa para regular a matéria.

Temos o direito de insistir, realisticamente, num truísmo: se a norma existe – e está enunciada na Lei Magna, há treze anos – é para ter vigência. A Constituição da República Federativa do Brasil concedeu à co-gestão um título de legitimidade. O legislador ordinário não pode usurpá-lo com o seu silêncio. Ou deixá-lo on paper, no terreno vulgar do anúncio, da promessa, e, na melhor das hipóteses, de sugestão de mudança.

A pura verdade é que os vazios constitucionais são comprometedores, acarretam natural desconfiança à formação e à sensibilidade jurídica de um povo. Num Estado de direito, - outra  verdade trivial – não se marginalizam preceitos constitucionais.

Aos que assumem posição contrária à co-gestão, e persistem em divulgá-la, advirto que o instituto não está em jogo. E sim a sua regulamentação. Não obstante, avanço um juízo. Para os objetivos em vista, tenho improcedente a alegação, mal humorada, de falta de preparo ou maturidade profissional do trabalhador brasileiro. Ele tem dado mil e uma provas de capacidade de organização e direção, que, obviamente, não é exclusiva desta ou daquela classe. Impossível ignorar que os trabalhadores compreendem categorias que vão do empregado manual ao mais altamente qualificados – gerentes, engenheiros, advogados, contadores, cientistas, pesquisadores, etc., todos sujeitos à remuneração em suas múltiplas formas. Não só. Leve-se em conta que os empregados, ao lado dos empregadores, há muito participam dos órgãos decisórios, tanto da Organização Internacional do Trabalho, como da Justiça do Trabalho e da Previdência Social.

Outro ponto, este de contribuição à lege ferenda. É de esperar, tendo em conta a realidade jurídico-social dos grupos econômicos, regulados, entre nós, primordialmente, pela Lei das Sociedades Anônimas, que tal participação, não se restrinja às empresas controladas, mas se estenda à controladora, caput ou tronco-mestre do grupo, e que foi alcançada pela legislação de outros países, Suíça e Alemanha por exemplo, e na regulamentação da Comunidade Econômica Europeia. Em França, a inclusão foi ditada por força de jurisprudência.

Injustificável lacuna da Lei das Sociedades Anônimas

A despeito de atualíssima a Lei das Sociedades Anônimas deixou in albis a co-gestão. Precário argumento da colocação ou enquadramento do instituto, traduzido na fugidia alegação de non est hic locus.

Nada acrescentou o diploma brasileiro ao simples relacionamento dessas sociedades e grupos com os empregados no plano dos direitos e obrigações. Estranha omissão, se atentarmos em que já dispúnhamos do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho e da lei do trabalhador rural (lei nº 5.889, de 1973), reportando-se à matéria, sem grande precisão.

A Lei das S.A. dispõe sobre “a associação e os grupos de sociedades”. E os ilustres autores do projeto, na justificação, enfatizaram este ponto crucial: “No seu processo de expansão, a grande empresa levou à criação de constelações de sociedades coligadas, controladas, grupadas – o que reclama normas especiais que re-definam, no interior desses agrupamentos, os direitos das minorias, as responsabilidades dos administradores e a garantia dos credores”. Tudo isso, e um silêncio completo sobre os trabalhadores.

Claro está que a lacuna é injustificável, tanto mais quanto foi frisada a mudança, no plano social, por que passa o capitalismo.

A visão democrática do problema deve ser devidamente equacionada, a ponto de alcançar a relação capital-trabalho.

Quanto se afirma e reafirma que, nas grandes empresas, “homens se agrupam e se associam para a consecução de seus objetivos”, não há razão plausível para que, dessa perspectiva empresarial, dessa conjugação de esforços, se omitam ou excluam os empregados. Permanecemos presos, à temática da exploração industrial ou ao terreno estritamente econômico, considerado completo o quadro com a só substituição, já operada entre nós, do “monopólio regalista” pela “soberania societária”, através da assembleia geral dos acionistas, aspecto este sempre destacado pelos autores do projeto e outros juristas no exame da Lei das S.A.

A Constituição e a legislação ordinária de outros países

Impossível, neste ensaio, passar em revista o grosso da legislação de outros países no plano constitucional e comum, voltada à co-gestão. Restrinjo-me a exemplos mais sugestivos, com as características básicas do respectivo ordenamento, partindo da República Federal Alemã, reconhecidamente a pioneira da mithestimung. Antes, vale acentuar que a Conferência Internacional do Trabalho, em sua XXXV reunião, de 1952, aprovou a recomendação nº 94 sobre a consulta e a colaboração dos empregados no âmbito da empresa.

Alemanha

No exame do Direito do Trabalho nas Constituições modernas, destacamos que a de Weimer, de 1919, cuidava dos conselhos operários de empresa, e outros, no art. 165.

A lei alemã de constituição de empresa, promulgada em 14 de outubro de 1952, estatuiu a representação do pessoal. Outra lei, a da co-gestão na indústria do aço, ferro e minas, de 21 de maio de 1951, ensejou, quando de sua elaboração, uma greve de grandes proporções. Previu o diploma a representação do pessoal nos órgãos estruturais da empresa, instituindo o sistema da co-gestão nos mais de mil trabalhadores.

O que importa é assinalar os dois diplomas alemães, o primeiro de 1972, a Lei Constitucional do Estabelecimento, pela qual são regulados os conselhos de estabelecimento; o segundo, a lei de co-gestão, de 1976, que regula o conselho de superintendência das empresas, sua composição, suas funções. Esses últimos “supervisionam e controlam o controle da sociedade” e são apontados como principal instrumento de organização da sociedade anônima alemã. Deles participam os empregados na mesma proporção dos detentores do capital. Confere-se ainda que a representação é proporcional ao número de empregados, partindo de dois mil. Nos grupos de empresa ou econômicos, prevalece o princípio, inclusive para a empresa controladora, e neste caso os empregados de todas as empresas do grupo participam da escolha do representante.

Na conferência pronunciada em São Paulo, em setembro de 1978, o jurista alemão Richard Osswald ao reportar-se à lei da co-gestão de 1976, realçou o seguinte: “Caso os representantes do capital e dos trabalhadores nas votações se bloqueiem reciprocamente, o presidente do conselho de administração, que normalmente pertence à representação do capital, tem o voto de desempate e pode, com isto, garantir a maioria de sua representação” (Ver. Leg. do Trab, março de 1979, pags. 42/43). Nos dois planos, do estabelecimento e da empresa, insiste o autor na exigência de um clima de cooperação e confiança, de consenso social e interesse produtivo.

Itália

Preceitua o art. 46 do Pacto italiano, em vigor a partir de 1º de janeiro de 1948: “Visando à elevação econômica e social do trabalho, em harmonia com as necessidades de produção, a República reconhece o direito dos trabalhadores a colaborar, segundo as modalidades e nos limites fixados por lei, na gestão das empresas”. O texto tem sido objeto de estudos aprofundados de juristas italianos, F. Pergolesi, E. Colleti, Marcos Vais e Mario Nigro, entre outros.

Prevalece, no país, o sistema da duplicidade de órgãos: comissões internas (comissioni interne) e conselho de gestão (consiglio di gestione), sendo os últimos paritários. As comissões objetivam à tutela no campo profissional e da assistência, e resultaram de acordo confederal de 18 de abril de 1966, que as disciplina. Elas atuam dentro da empresa, contrariamente aos sindicatos, “che stanne al di fuori”, como sublinham os mestres italianos.

Em termos de participação, a Constituição peninsular vai mais longe. Prevê, no art. 99, a ...... dos representantes dos sindicatos no Conselho nacional da economia e do trabalho, a que são atribuídas funções consultivas e iniciativa em matéria econômica e social. Consulte-se o estudo de Giuseppe Chiarelli sobre o Conselho, in Enc. del Dir., Milão, 1961, págs. 259 e seguintes.

Entre as fontes do Direito do Trabalho italiano, os seus juristas colocam “a fonte comunitária, isto é, os regulamentos emanados da Comunidade Econômica Europeia (C.E.E.), instituída com o Tratado de Roma de 1957, e a Carta Social Europeia, de 18 de outubro de 1961, ratificada pela Lei nº 925, de 3 de junho de 1965” (Ignazio Scotto, Man. di Dir. del Lav., Roma, 1974, pág. 21).

França

Em França, o Código Fundamental de 1946, reformado por lei constitucional de 1954, declarava no preâmbulo: “Todo trabalhador participa, por intermédio de seu delegado, na determinação coletiva das condições de trabalho, assim como na gestão da empresa”. Essas e outras disposições foram mantidas na Constituição de 1958.

Repercutiram as palavras de Ramadier, proferidas na Assembleia Nacional Constituinte de 1946: no momento em que se proclamam os direitos da pessoa humana, desejamos que, entre as mesmas, se inclua o de afirmar seu direito de associar-se aos que se encontrem investidos na direção técnica ou na direção geral das empresas, a fim de que o trabalho adquira mais alta consciência das dificuldades de seu papel, tanto quanto do valor social que representa e, por isso mesmo, das obrigações que deve assumir no conjunto do corpo social.

Advirta-se, porém, que no plano dos princípios a co-gestão não é um direito natural; esse magistério da doutrina social católica.

Em verdade, Ramadier empunhava a bandeira de Millerand, erguida em 1922, na Câmara dos Deputados, ao proclamar “um contra-senso que, em países republicanos e de sufrágio universal, se pudesse pensar em manter na empresa a monarquia absoluta”.

Igualmente explícita a manifestação de Louis Maire: “A empresa – diz ele – foi primeiramente idealizada segundo a imagem da família patriarcal; evoluiu depois para a monarquia constitucional” (Au dela du Salariat – L’Organisation Social du Travail, 2ª ed., Lauzanne, 1945).

Segundo esses pronunciamentos, eis a tônica ou a pedra fundamental da co-gestão: introduzir na ordem social ou a ela estender os princípios que regem a democracia política.
O sistema francês funciona através dos delegados do pessoal, das comissões internas e da participação nos órgãos de administração. Segundo Maurice Cohen, “a lei não atribui senão função consultiva às comissões de empresa na área profissional, econômica e financeira” (Le Droit des Comités d’Entreprise, Paris, 1977).

Espanha, Portugal e outras nações

Espanha. A Lei nº 41, de 21 de julho de 1962, regulamentada pelo Decreto nº 2.241, de 15 de julho de 1965, estabelece a participação do pessoal na administração das empresas que adotem a forma de sociedade. Na exposição de motivos, acentua-se “a necessidade de incrementar, cada vez mais, a compenetração entre os distintos fatores humanos da produção”. Consulte-se José Manuel Almansa Pastor, La Participación del Trabajador en la Administración de la Empresa, Madrid, 1965.

Em Portugal, a Constituição, nos artigos 55 e 56, institui as comissões de empresa, discriminando direitos.

Paulo C. Moura aponta-nos, sumariamente, o exemplo de outros países, como o Japão, Venezuela, Bolívia e Paquistão (em Co-gestão, afinal o que é? – “Jornal do Brasil”, de 24-2-1980), com os seguintes esclarecimentos:

Existem, no Japão, os comitês de consulta, com poder real nos assuntos relativos à higiene e segurança. A Venezuela mantém o instituto nas empresas nacionalizadas e a Bolívia nas minerações estatais. Requer o Paquistão um empregado na diretoria de cada empresa com mais de 50 empregados.

Países onde os conselhos de empresa resultam de acordos coletivos

Na Inglaterra, Canadá, Estados Unidos e países escandinavos, Dinamarca, Noruega e Suécia, os conselhos de empresa resultam de acordos coletivos e têm, geralmente, constituição paritária. Na primeira são exemplos os comitês Whitley, difundidos após a Primeira Guerra, e os Joint production committee, durante e após a Segunda (Veja-se Jeremia Newman, Co-Responsability in Industry – Social Justice in Labor Management Relations, Dublin, 1955). Órgãos dessa natureza, os comitês de produção, com o apoio do Governo, foram instituídos, desde 1943, no Canadá (Industrial Democracy at Work, Otawa, 1945).

As comissões mistas ou paritárias instituídas nesses países têm por escopo incrementar a produtividade, num clima de compreensão do fator humano na empresa, além da consequente elevação do trabalhador e sua integração na vida e nos destinos desta unidade econômica e social. 

Na Suécia, estou em lembrar a histórica convenção de colaboração, firmada a 30 de agosto de 1946 entre a Confederação patronal (S.A.F., Swenska Arbetsgivare Föreningen) e a dos trabalhadores (L.O., Landsorpanisationen), em que se reconheceu o comitê de empresa como um órgão de informação e consulta, incumbindo-lhe “informar o pessoal das condições econômicas e técnicas da empresa e dos resultados por ela obtidos” e, por outro lado, “de maneira geral, assegurar à empresa boas condições de trabalho e de produção”. Veja-se Charles Leger, La Démocratie Industrielle et les Comités d’Entreprise em Suéde, Paris, 1950, e Ake Bouvin, La Nouvelle Legislation Suédoise sur la Democratie, in « Rev. Int. Tr. », março-abril, 1977.

Mercado Comum Europeu

O Mercado Comum Europeu trouxe inovações no campo da co-gestão. Instituída em Roma, no ano de 1957, a Comunidade Econômica Europeia imprimiu diretrizes novas às sociedades dos Estados-membros para que se ajustassem às exigências do Tratado ou à integração econômica. 

Sabe-se do esforço com a preparação de projetos atinentes à criação de um estatuto próprio para tais sociedades. Lembra um estudioso nosso, Octávio Bueno Magano, na excelente obra Os Grupos de Empresa no Direito do Trabalho (São Paulo, 1978), que o texto básico de 26 de junho de 1974 contém três partes importantes, do ponto de vista do Direito do Trabalho: “a conceituação e disciplinação do grupo: a de organização das comissões de empresa e a da participação dos trabalhadores nos conselhos de superintendência”. A representação dos trabalhadores está sujeita à eleição entre os mesmos, para um mandato de três anos, assegurando-lhes a estabilidade provisória durante o mandato, isto é, sic et quantum. São múltiplas as atribuições conferidas às comissões na defesa dos trabalhadores no âmbito do direito do trabalho, da segurança, saúde, higiene e assistência social.

Há estudos sem conta dedicados à matéria no contexto dos países do mercado comum. Na riquíssima bibliografia, figuram: Willian Garcin, Cogestion et Participation dans lês Entreprises des Pays du Maché Commun (Paris, 1968) ; Ives Djian, Le Contrôle de la Direction des Societés Anonymes dans les Pays du Marché Commun (Paris, 1965) e obras coletivas : Droit Institutionnel des Communautés Européennes (Paris, 1974) e La Representanza di Lavoratori sul Plano dell’Impresa nel Diritto di Paesi Membri della CECCA, Milão, 1959, o último sob plano mais restrito.

Renovação da empresa

Vê-se, com realismo, em termos meridianamente claros, que a empresa está sujeita a um processo de redefinição, melhor, de renovação social e jurídica. A mudança do seu conteúdo, num crescendo de adaptação e criatividade, emerge não só de pressões externas, sociais especialmente, mas de sua própria expansão e dos imperativos da economia moderna.

Michel Despax é claríssimo ao advertir que “a empresa deve ser analisada não em termos individualistas e contratatuais, mas institucionais e comunitários” (Le Droit du Travail, Paris, 1970, pág. 93).

Nesse quadro, as suas responsabilidades no campo social, aqui e alhures, envolvem novas metas, que se sobrepõem à seqüência dos conhecidos “programas de caridade” ou “cometimentos semifilantrópicos”, que não correspondem às exigências modernas. Com essas revelações, não se pretende aniquilar o dinamismo e a energia da livre iniciativa ou transformar a unidade de produção num mero instrumento do Estado. Longe disso.

Outro aspecto, distinguem-se nas grandes empresas de nossos dias a propriedade e o controle. É o que prevalece nas sociedades anônimas e nos grupos econômicos, em que os pequenos acionistas não participam do controle ou das decisões. Em regra, esse poder é transferido a terceiros, administradores ou técnicos, que assumem a direção da empresa. O Professor William Letwin, da Escola Econômica de Londres, no estudo sobre O passado e o futuro do empresário americano, chegou a ponto de aludir, com evidente maldade, “aos gordos, lustrosos e empoados executivos”.

Relativamente aos técnicos, situando-os na empresa contemporânea, são conhecidos os estudos especializados de James Burnham e John Galbraith.

Ao mesmo tempo, no que concerne aos grupos, convém realçar o poder abusivo da sociedade dominante, tal a sua capacidade de absorver e de crear e recrear firmas ou sociedades satélites. Em face da justaposição interna-externa, é o mesmo que dizer da dicotomia investimentos estrangeiros-objetivos nacionais, a questão ganha relevo quando se trata de multinacional. Todos esses fatos têm conduzido a uma legislação, quanto possível, rigorosa e com processos mais equânimes, mais flexíveis, mais democráticos de administração.

Ponto pacífico na doutrina e na legislação – importantíssimo na visão moderna da empresa – é o de que, para o Direito do Trabalho, em harmonia com os critérios de objetivação da responsabilidade, não importa a pessoa particular do empresário, senão a entidade empresa, a que o empregado se vincula, subsistindo tais laços quando se produz a troca na sua titularidade (Ver, entre muitos, Miguel Hernainz Marquez, Trat. de Der. Del Trab., 12ª ed., Madrid, 1977). Orlando Gomes é incisivo: “No direito pátrio, o que conta é a entidade objetiva da organização” (Questões de Direito do Trabalho, 1974, pág. 195).

Além do mais, predomina entre os doutrinadores, a refletir realidade substancial, o reconhecimento de que a empresa moderna, embora atenta aos problemas específicos da produção, custos e lucros, procura fortalecer os vínculos da relação de trabalho com a pessoa humana do trabalhador, processando-se essa relação, mediante liames comunitários de pessoas e interesses. E tudo a concorrer para que, aos choques e às divergências, prevaleçam a harmonia e a paz no seio da empresa. Acordo com essas perspectivas, veja-se a análise objetiva de João XXIII na Mater et Magistra.

Finalmente, registre-se o consenso, expresso na Constituição e na legislação ordinária de diferentes países, a fim de que se acolha, sem sobressaltos, a nova concepção de empresa – unitária, integrativa, institucionalista, partilhada do bem comum e capaz de favorecer a ação conjunta.

Aí está, não esmiuçado, mas simplesmente delineado, o processo de democratização da empresa, que os europeus preferem designar de democracia industrial.

Solução brasileira para a co-gestão

Enfrentamos um desafio nesta fase de transição social. Felizmente, a questão em pauta ou sub judice é considerada, no caso brasileiro, longe de infiltrações ideológicas, de radicalismo, de impulsos insensatos ou de intolerância. Antes assim. Se o Direito do Trabalho, na lição esclarecedora de Camerlynk e Lyon-Caen, em obra conjunta, Droit du Travail (Paris, 1975, pág. 27), sujeita-se à conjuntura e à infra-estrutura econômicas, mais acentuada é a dependência tratando-se da co-gestão.

Embora atentos, como devemos estar, à experiência de outros povos, não podemos importar modelos. Seria um erro, de sérias consequências, transplantar para um país de tantos contrastes na ordem econômico-social e de desenvolvimento in fieri, regimes de co-gestão ensaiados em países de economia complexa e grande produtividade, dotados de outras condições culturais.

Quer pela diversidade da política social e econômica a que, necessariamente, se ajusta, o que deve ser repetidamente acentuado, quer ainda por sua complexidade, não há um projeto único no terreno da co-gestão. Haverá semelhantes. Idênticos, não.
O importante é encontrar, na regulamentação da norma constitucional, uma solução brasileira, gradual, imune a desvios, adequada à nossa realidade, ao espírito e grau de desenvolvimento de nossa gente.

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