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domingo, 23 de novembro de 2014

Geografia da Fome - Introdução e a Área Amazônica



CASTRO, Josué de. Geografia da fome. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1957.

“Le mensonge héroique est une lâcheté. Il n’y a qu’un héroisme au monde: c’est de voir le monde tel qu’il est, et de l’aimer.” Romain Roland

PREFÁCIO DO AUTOR

“se fizermos um estudo comparativo da fome com as grandes calamidades que costumam assolar o mundo – a guerra e as pestes ou epidemias, - verificaremos, mais uma vez, que a menos debatida, a menos conhecida em suas causas e efeitos, é exatamente a fome.” P 20

“Quais são os fatores ocultos desta verdadeira conspiração de silêncio em torno da fome? [...] Trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma de nossa cultura: foram os interesses e preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental que tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado publicamente. O fundamento moral que deu origem a esta espécie de interdição baseia-se no fato de que o fenômeno da fome, tanto a fome de alimentos, como a fome sexual, é um instinto primário e por isso um tanto chocante para uma cultura racionalista como a nossa, que procura por todos os meios impor o predomínio da razão sobre o dos instintos na conduta humana.” P 20

“A demonstração muito efetiva da mudança radical da atitude universal, em face do problema, encontra-se na realização da Conferência de Alimentação de Hot Springs, a primeira das conferências convocadas pelas Nações Unidas para tratar de problemas fundamentais à reconstrução do mundo de após-guerra. Nesta conferência reunida em 1943, e que deu origem à atual Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas – a F.A.O. – quarenta e quatro nações, através dos depoimentos de eminentes técnicos no assunto, confessaram, sem constrangimento, quais as condições reais de alimentação dos seus respectivos povos....” p 23

“Foi diante desta situação que resolvemos encarar o problema sob uma nova perspectiva [...] Para tal fim pretendemos lançar mão do método geográfico, no estudo do fenômeno da fome.” P 24

“Neste ensaio de natureza ecológica tentaremos, pois, analisar os hábitos alimentares dos diferentes grupos humanos, ligados a determinadas áreas geográficas, procurando, de um lado, descobrir as causas naturais e as causas sociais que condicionaram o seu tipo de alimentação, com suas falhas e defeitos característicos, e, de outro lado, procurando verificar até onde esses defeitos influenciam a estrutura econômico-social dos diferentes grupos estudados.” P 25

“Não é esse tipo de fome [individual], simples traço melodramático no emaranhado desenho da fome universal, que interessa ao nosso estudo. O nosso objetivo é analisar o fenômeno da fome coletiva – da fome atingindo endêmica ou epidemicamente as grandes massas humanas.” P 26

Starvation – fome em inglês associada a áreas de miséria

“... fome parcial, da chamada fome oculta, na qual, pela falta permanente de determinados elementos nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias.” P 27

“Buscando essa valorização dos fatores de categoria biológica, não quer dizer que desprezemos a importância dos fatores de natureza cultural, fatores da categoria do latifundismo agrário-feudal que tanto deformou o desenvolvimento da sociedade brasileira. Isto é inegável.” P29

“Não foram razões de ordem sentimental, nem de supervalorização patriótica que nos ditaram essa conduta: foram razões de ordem didática. O Brasil constitui o nosso campo de observação e de experimentação diretas do problema. [...] O seu vasto território, com diferentes categorias de climas tropicais, desde o equatorial superúmido da Amazônia até o tropical seco e semi-árido do sertão do Nordeste e o subtropical com seus variados tipos de organização econômica, apresenta condições excepcionais para uma larga investigação do problema da alimentação nos trópicos. Nenhum país do mundo se prestaria, tanto quanto o nosso, para funcionar como um verdadeiro laboratório de pesquisa social deste problema.” P 32

Prefácio assinado em 1956, Rio de Janeiro.

INTRODUÇÃO

“Quando se lê ou se ouve falar em fomes coletivas, em angustiadas massas humanas atacadas e morrendo à falta de um pouco de comida, as primeiras imagens que assaltam a nossa consciência são as imagens típicas do Extremo Oriente. [...] Massas pululantes de esquálitos coolies chineses.” P 39
“Imagens dos campos de concentração e das cidades e dos campos europeus devastados pela tirania nazi durante a última guerra mundial.” P39

“... para aqueles que têm conhecimento da fome apenas através dos jornais, reduzem-se a estas duas grandes regiões – o Oriente exótico e a Europa devastada – as áreas de distribuição da fome...” p39-40

“Na realidade, a fome coletiva é [...] um fenômeno geograficamente universal [...] se os estragos desse flagelo na América não são tão dramáticos [...] esses estragos se fazem sentir mais sorrateiramente, minando a nossa riqueza humana numa persistente ação destruidora, geração após geração.” P 40

“Os inquéritos sociais e os levantamentos estatísticos levados a efeito em diferentes zonas do continente vieram mostrar que por toda parte as populações americanas continuam expostas às consequências funestas da subnutrição e da fome.” P 40

“Carências protéicas, carências minerais, carências vitamínicas.” P 41

“Milhões de seres humanos o têm vivido durante séculos silenciosamente, com uma resignação que aproxima, sob este aspecto, os povos americanos dos povos do Oriente.” P 42

“Numas regiões [ do Brasil], os erros e defeitos são mais graves e vive-se num estado de fome crônica; noutras, são mais discretos e tem-se a subnutrição.” P 42

“O país abrange pelo menos cinco diferentes áreas alimentares, cada uma delas dispondo de recursos típicos, com sua dieta habitual apoiada em determinados produtos regionais e com seus efetivos humanos refletindo, em muitas de suas características, tanto somáticas como psíquicas, tanto biológicas como culturais, a influência marcante dos seus tipos de dieta. Cinco áreas bem caracterizadas e assim distribuídas: 1) Área da Amazônia; 2) Área da Mata do Nordeste; 3) Área do Sertão do Nordeste; 4) Área do Centro-Oeste; 5) Área do Extremo Sul...” p 43

“Para que uma determinada região possa ser considerada área de fome, dentro do nosso conceito geográfico, é necessário que as deficiências alimentares que aí se manifestam incidam sobre a maioria dos indivíduos que compõem seu efetivo demográfico.” P 44

II
ÁREA AMAZÔNICA

“A região da Amazônia representa, sob o ponto de vista ecológico, um tipo unitário de área alimentar muito bem caracterizado, tendo como alimento básico a farinha de mandioca.” P 45

“Região com uma população de tipo homeopático, formada de gotas de gente salpicadas a esmo na imensidade da floresta, numa proporção que atinge em certas zonas à concentração ridícula de um habitante para cada 4 km quadrados de superfície. [...] Sem forças suficientes para dominar o meio ambiente, para utilizar as possibilidades da terra, organizando um sistema de economia produtiva, as populações regionais têm vivido até hoje, no Amazonas, quase que exclusivamente num regime de economia destrutiva. Da simples coleta dos produtos nativos, da caça e da pesca. Da colheita de sementes silvestres, de frutos, de raízes e de casca de árvores. Do látex, dos óleos e das resinas vegetais.” P 46-7

“Apenas em zonas limitadas e utilizando processos rudimentares se estabeleceu uma cultura primitiva de certos produtos de alimentação, como as da mandioca, do milho, do arroz e do feijão.” P 47

Chibé
Beijus

“A terra é quase que inteiramente açambarcada pelas plantas, restringindo-se a vida animal sobre o solo às formigas e outros insetos, às cobras e aos macacos e a variedades de espécies de pássaros. São, pois, limitadas as possibilidades de caça para abastecimento alimentar. A pesca rende muito mais e contribui para a dieta local com elementos mais ricos e variados. Sejam peixes de água doce [...] sejam crustáceos ou moluscos, camarões, siris, avius, caranguejos e ostras. Do que também fazem abundante uso os nativos para sua alimentação é das tartarugas, das quais consomem tanto a carne como os ovos.” P 50

“A floresta é um obstáculo à criação de gado.” P 51

“Apenas recentemente, através do Instituto Agronômico do Norte foi introduzido em Marajó o búfalo africano, animal rústico e de relativas possibilidades de adaptação econômica ao meio hostil a raças selecionadas e de alta produção, seja de carne, seja de leite. Ainda assim, e contrariando o esforço de racionalização da pecuária, essa rusticidade do búfalo está sendo explorada no sentido de não lhe ser prestada qualquer espécie de assistência zootécnica, e as adaptações a que o meio lhe obriga, nem sempre são favoráveis aos interesses econômicas e aos fins sociais.” P 52

“Estas limitações que a natureza impõe à pecuária, a falta de transporte entre zonas de criação e o resto da região amazônica, não facilitam o seu abastecimento nem de carne nem de leite. [...] Carne, só seca e salgada.” P 53

“Se a inundação destrói muitas vezes o duro trabalho agrícola também traz dissolvida nas águas das cheias o sedimento rico em elementos minerais e orgânicos que ficarão depositados sobre o solo quando as águas baixarem.” P 53-4

“As populações do Amazonas sempre classificaram os rios da região em dois grupos: os rios negros e os rios brancos. Os negros tendo as águas translúcidas, carregadas apenas dos reflexos profundos das sombras escuras da floresta, e os brancos com as suas águas turvas, barrentas, ricas de materiais de aluvião. São as águas dos rios brancos as que fertilizam o solo equatorial do Amazonas. [...] A verdade é que o excesso de chuvas lavando permanentemente este solo, aliados a outros fatores de intemperismo regional, o empobrece de maneira alarmante, e a agricultura sem a adubação das enchentes esgota as suas reservas numa rapidez assustadora. Esta é uma das razões que sempre obrigaram as populações indígenas a viver nesta região num regime seminômade, derrubando a floresta num ponto, semeando um pouco de milho, de arroz e de mandioca, colhendo a seguir o produto e abandonando a roça para abrir outra clareira mais adiante. É que o rendimento de uma segunda plantação já não compensaria o trabalho nem permitiria o abastecimento suficiente do grupo, expondo-o aos perigos da fome aguda.” P 54-55

“É preciso não esquecer que na elaboração destas comidas entram certos molhos preparados com sucos de ervas locais e de pimentas [...] Os indígenas sempre foram grandes comedores de pimenta [...] O consumo de verduras e de legumes verdes foi muito baixo nesta região. O complicado cultivo da horta está muito acima da técnica agrícola local [...] As frutas também, com exceção do açaí, entram em muita pouca quantidade no regime alimentar habitual.” P 55 

Buriti
Castanha do Pará

“A análise biológica e química da dieta amazônica revela um regime alimentar com inúmeras deficiências nutritivas [...] É uma alimentação parca, escassa, de uma sobriedade impressionante.” P 57

“Para bem compreendermos quais os principais defeitos deste tipo de alimentação da Amazônia, precisamos analisa-la de acordo com os modernos conhecimentos de nutrição e de acordo principalmente com as variantes fisiológicas que o clima impõe ao metabolismo nas condições de vida tropical. Variantes que dão ao metabolismo do homem dos trópicos um ritmo especial e alteram inteiramente os limites quantitativos de suas necessidades nos diferentes princípios alimentares.” P 58

“O clima amazônico de tipo superúmido, com uma umidade relativa do ar que anda quase sempre pela casa dos 90%, alcançando a todo momento o ponto de saturação do ar em umidade, condiciona forçosamente ao organismo humano uma sensível baixa do seu metabolismo. Quem conhece o mecanismo da formação e da perda de calor nos seres vivos compreende logo que esta diminuição do organismo em suas combustões internas representa um processo de adaptação funcional, um processo prático de evitar a sua destruição por superaquecimento, diante das dificuldades que o meio ambiente opõe às perdas do calor animal. No excesso de temperatura e de umidade reinantes, o organismo não dispõe de outros meios para se desfazer do seu calor interno senão o de diminuir a sua formação, isto é, baixar o seu metabolismo.” P60

“Na insuficiência alimentar quantitativa e na forçada adaptação orgânica a esta situação permanente, residem as explicações da apregoada preguiça dos povos equatoriais. A preguiça no caso é providencial: é um meio de defesa de que a espécie dispõe para sobreviver, e funciona como o sinal de alarma numa caldeira que diminui a intensidade de suas combustões ou para mesmo automaticamente, quando lhe falta o combustível.” P 61

“O déficit proteico resulta da quase que ausência de alimentação absoluta, no regime alimentar desta gente, das fontes de proteínas animais: carne, leite, queijo e ovos. [...] Já vimos que destas fontes de proteínas completas as populações locais apenas dispõem da carne de peixe, e isto mesmo de maneira irregular e em quantidade insuficiente. [...] Seria necessário, não só pescar em quantidade bem maior do que se faz atualmente, como industrializar o produto da pesca sob a forma de peixe seco, salgado ou desidratado... “ p 61-2

“Quase que só dispondo de fontes de proteínas vegetais, o regime local é deficiente em certos ácidos aminados. Deficiência que se revela de logo pelo crescimento insuficiente, pela estatura abaixo do normal...” p 62

“O que salva o amazonense é que ele não come farinha pura como o mexicano se alimenta, dias e dias, exclusivamente de milho. Um pouco de feijão, de arroz ou de batata e vez por outra o seu peixe, ou seu tracajá ou jabuti, sempre o homem da Amazônia obtém para variar o seu regime, diminuindo desta forma a deficiência proteica da farinha.” P 63

“Ao lado das deficiências proteicas ocorrem certas deficiências em sais minerais bem graves para as populações amazônicas. O primeiro fator dessas carências minerais é a pobreza do solo regional [...] As chuvas contínuas [...] agindo paralelamente à temperatura elevada, estimulam a ação de microrganismos do solo, decompondo com extrema velocidade a matéria orgânica e o húmus ali existentes...” p 64

“Quando a este fator – a pobreza mineral dos alimentos – se juntam erros de dietética, como é o caso da região amazônica, aumentam as probabilidades de incidência das carências minerais no homem. Destas carências, as mais acentuadas nesta zona são as de cálcio, ferro e cloreto de sódio.” P 66

“O solo é pobre em cálcio. As águas e os alimentos ali produzidos são também pobres em cálcio.” P 67

“O que é de admirar, à primeira vista, é que com tal exiguidade de cálcio em sua alimentação, não sofram de raquitismo endêmico os habitantes desta área, com crianças de pernas tortas e de ‘tórax de pombo’, de cabeças deformadas com seus ossos amolecidos à falta de cálcio que lhes dê consistência. Nada disse existe na região do Amazonas. [...] A explicação do fato encontra-se na extraordinária riqueza de insolação regional que é fonte de vitamina D em cuja presença se torna difícil o aparecimento do raquitismo.” P 67

“Se não há o raquitismo exteriorizando a carência em cálcio, há, no entanto, uma grande incidência de cáries dentárias...” p 68

“Por conta do déficit em ferro apresenta-se na região um tipo característico de anemia, que durante muito tempo foi atribuído à ação direta do clima. [...] Hoje se sabe que essa anemia é apenas uma consequência da fome específica em ferro necessário para fabricação dos glóbulos vermelhos. Os trópicos não exigem mais ferro nem destroem maior número de glóbulos [...] A alimentação nas várias áreas tropicais é que não subscreve, em geral, uma taxa adequada às necessidades normais do organismo...” p68-9

“o fenômeno da geofagia ou geomania, do hábito ou mania de comer terra. Hábito que a nosso ver traduz quase sempre um tipo de fome específica, ...” p 69

“A anemia tropical não é, portanto, uma fatalidade climática; não é um produto direto do clima agindo sobre o organismo humano num determinismo inexorável.” P 69

“O déficit em cloreto de sódio é bastante acentuado e resulta tanto de fatores naturais como culturais. [...] Clima equatorial que, acarretando uma transpiração excessiva, espolia o organismo em estremo das suas reservas de cloreto de sódio. [...] Para compensar tamanha perda de cloreto de sódio seria necessário ingerir alimentos excessivamente salgados ou contendo em sua composição química altas doses deste princípio nutritivo. [...] A alimentação amazônica, na qual ainda hoje predominam intensamente os hábitos e tradições indígenas, é uma alimentação com pouco ou nenhum sal. O tempero que o índio sempre admirou foi a pimenta.” P 70-1

“os patologistas europeus tinham notado que, em casos de uma doença que provoca uma fadiga aniquilante – a insuficiência supra-renal – sempre se apresenta um desequilíbrio sódio-potássico neste mesmo sentido. É por isto que nós afirmamos ocorrer nos trópicos uma espécie de insuficiência supra-renal climática, pelo menos em sua síndrome humoral, que só pode ser combatida com uma alimentação muito rica em sal. Vemos assim que, se nos casos do déficit em ferro a ação do clima é remota, fazendo-se sentir indiretamente, no caso do sódio é imediata, é direta. Estes dois exemplos mostram como é complexo o fenômeno da aclimação. Como é ingênuo afirmar-se ou negar-se em bloco, sem maiores discriminações, a ação dos climas sobre o homem, em obediência a escolas sociológicas, limitadas a pontos de vista unilaterais.” P 73

“Qual a razão pela qual o branco se fadiga mais depressa do que o negro ou o índio? Pode haver várias explicativas, mas o que não resta dúvida é que um dos fatores desta diferença fundamental reside no fato de que o índio e, principalmente, o negro perdem muito menor quantidade de cloreto de sódio através da sudação do que o branco. [...] Trata-se realmente de uma superioridade biológica? Não. Primeiro, que não existem superioridades ou inferioridades raciais. [...] O que é uma superioridade nas regiões polares pode constituir uma inferioridade nos trópicos e vice-versa.” P 74
“Os negros e os índios perdem menos quantidade de sal pela sudação por conservarem a sua pele nua, não recoberta pelo vestuário.” P 75

“Das carências vitamínicas as mais generalizadas são as dos elementos componentes do complexo B. [...] Isto explica que em vários continentes as áreas de mandioca seja áreas de beribéri – doença causada pela carência de vitamina B1, também chamada tiamina: a área amazônica, na América, e área da bacia do Congo, África.” P77

“A maior parte dos desbravadores da borracha que ali chegavam, atraídos pelo rush do produto, foi derrubada pela terrível doença [beribéri]. [...] Defumavam a borracha. E quando estavam se sentindo donos do mundo, começavam a sentir o chão fugindo debaixo dos pés, a sentir as pernas moles e bambas, a dormência subindo dos pés até à barriga. [...] Era o beribéri chegando, tomando-lhes conta do corpo, roendo-lhes os nervos, acabando com a vitalidade do aventureiro nordestino.”p 79

Consequências da supervalorização da borracha: “Com a paralização da pesca e com os rebanhos abandonados, afogando-se à míngua nas enchentes, com a agricultura parada por falta de braços, enfim, com todas as fontes de riqueza local se desmoronando, a alimentação regional sofreu tremenda crise.” P80

“A partir do momento em que se acabou o monopólio da borracha, em que o produto da planta cultivada no Extremo Oriente concorreu e sobrepujou a planta nativa do Vale Amazônico, com a crise econômica que então surgiu, com os preços da borracha caindo assustadoramente, os negociantes do produto abrindo falência, a economia da região em colapso, o beribéri, como se fosse alimentado por esta própria economia, também começou a declinar.” P81

“Assim se fechou o ciclo da terrível doença, ciclo que tem suas analogias com o do escorbuto no Alasca durante a febre do ouro.” P81

“O regime alimentar magro, quase sem gorduras animais, sem leite, sem manteiga e com poucas folhas verdes é, sem nenhuma dúvida, pouco abundante em vitamina A.” p82

“O que é comum nessa área (Amazônia) é a hipovitaminose relativa, denunciada pela falta de crescimento, pela visão até certo ponto deficiente e, principalmente, pelas perturbações cutâneas; pelas manchas escuras da pele, pelo aumento de suas rugosidades que a transformam num couro grosso e áspero com espículos em torno dos folículos pilosos. São grupos humanos com a pele lembrando o couro do jacaré, seu companheiro da fauna amazônica.” P82

“O consumo habitual dos molhos apimentados, dos sucos de ervas fermentadas e misturadas com pimenta, como o tucupi, o tacacá e o arubê, molhos que constituem o sal e o tempero comum do peixe, da caça e dos bolos de mandioca da Amazônia, afasta estas populações dos perigos das carências completas em vitamina C.” p83

Curaçau – Ilha da Curação. Página 84

“a verdade é que se as riquezas da região amazônica não são tão fabulosas como suas lendas, nem o seu clima é dos mais acolhedores do mundo, seria, no entanto, possível vencer estas dificuldades e desenvolver o povoamento da região desde que sua colonização fosse realizada dentro de um plano de aproveitamento racional e não de intempestiva destruição. Destruição da riqueza vegetal com as seringueiras sangradas até a última gota de seu látex, com os peixes e as tartarugas destruídos sem discernimento, quase até o extermínio das espécies. Sem nenhuma preocupação de melhorar os processos de agricultura primitiva nem de ampliar a sua área de cultivo.” P 87

“Assim se apresenta o caso da conquista econômica da Amazônia: luta tenaz do homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de vitalidade da floresta e contra a desordenada abundância da água dos seus rios. Água e floresta que parecem ter feito um pacto de natureza ecológica, para se apoderarem de todos os domínios da região. O homem tem que lutar de maneira constante contra esta floresta que superocupou todo o solo descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre, inclusive o homem...” p88

“ ‘Numa região em que a natureza se concentrou para resistir, o homem se dispersou para agredi-la’, diz Viana Moog com muita penetração. De fato, o homem amazônico, longe de formar grupos, tentou penetrar na floresta como indivíduo, isolado num heroísmo individual sem precedente na história das colonizações. Numa louca aventura solitária, vivida no silêncio da floresta.” P 89

“Com este tipo de colonização, de tão acentuada marca medieval, formou-se a nossa estrutura social com esse caráter ganglionar e dispersivo, de extrema rarefação, de que nos fala Oliveira Viana, esparramando-se o organismo social, ralo e superficial, por extensões que não podiam ser alcançadas pelo organismo político, sem capacidade de irradiação.” P90

“Já o general Kundt, que sonhava com a colonização da Amazônia e sua transformação num celeiro para o mundo, através de gigantesco plano de povoamento, salientava não se tratar de uma região a ser confiada ao povoador individual mas à organização colonizadora sistemática.” P91

Fordlândia e Beltarra pgs 91-2

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